a posteriori

sábado, 25 de dezembro de 2010 às 23:57
vem, meu quentinho... embrenhe-se. jogue suas pernas por entre as minhas. pegue seus braços e misture com minhas costas, corpo e mãos. entrelasse os dedos. façamos como sempre: esqueçamos o calor estival e do suor que nos invade, o que importa é o quentinho do seu corpo fazendo cócegas no quentinho do meu. aliás, nada importa aqui onde estamos. nos lençóis que nos metemos. tenho sede, mas levantar é sacrilégio. e te ter por perto, assim tão junto e apertado, vale mais que qualquer sorte. conte-me casos idos. suas andanças e tristezas. tenho ouvidos e coração só para te entender. e gostar. e amar, mas isso são outras águas. vamos nos esconder mais um pouco, meu quentinho, tem alguém na varanda... as dobras da persiana não escondem mais nossos alentos de amor. cubra-nos um pouco mais... e me peça para achegar-se. eu chego. e rio. e durmo. e me acabo.


é porque te quero, meu quentinho. só por isso.

sobre lapidar

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010 às 16:51
Antes de você ir embora...
... deixo-te todo esse meu carinho. carinho este que cresceu do nada numa estranha e ébria noite de quinta-feira. e na sexta se manifestou numa centelha. e no sábado já era visível. no domingo fez-se notar. e hoje, é tão grande que não sabe se esconder.

Antes de você ir embora...
... deixo-te um pouco das minhas lembranças. das tardes quentes de preguiça. do vinho derramado. do quarto imaculado. do drink ofertado. da boca manhosa e pedinte. do querer sem limites.

Antes de você ir embora...
... peço-te ainda um pouco mais dessa sua doçura. dessa que você nunca nega. dessa que você me oferece antes mesmo de eu pedir. dessa que vem nos dias amargos como remédio e cura. essa doçura só tua, que fiz raptar.

Antes de você ir embora...
... escrevo-te uma carta dizendo que saudade é coisa pouca perto do que virá. e ouço-te dizer que o que virá, ninguém sabe, nós não sabemos. mas eu queria que o porvir nosso fosse fruta na árvore. queria colher nossos planos. queria ver suas sementes.

Antes de você ir embora...
... escondo-te minha vontade de pedir que fique. dos meus gritos de revolta e fúria. meu apelo que parece medo, na verdade é puro amor. amor bruto. é tanto amor que espero com desespero que você não vá. e que se for, não volte para me fazer chorar.


"O amor se torna maior e mais nobre nas calamidades..." [ Gabriel García Marquez ]

quando sentir não for pensar

quarta-feira, 24 de novembro de 2010 às 21:43
meu bem, desculpe se às vezes esqueço teu nome. se pego no sono no momento em que tu querias conversar. se fico exaustivamente depreciando-me e se sempre desacredito de teus elogios lapidados. desculpe se fico sempre surpresa quanto tu ligas, já devo saber que queres sempre saber de mim, com inigualável zelo. desculpe se bagunço teus cabelos e te ponho os óculos, acho-te tão lindo assim subverso! peço perdão pelos meus deslizes de principiante porque é tão novo e sacro esse teu querer e cuidado. a maneira como tu me deixas ganhar nos jogos de carta e pede beijos ao invés de prendas. como cuidas não só de mim quando escorrego, mas das coisas que tenho que fazer e tu precipitas-te a fazê-lo muito antes para me evitar o trabalho. e para evitar a dor, beijas minhas feridas, proteges-me dos carros, seguras-me aos mãos evitando qualquer súbita surpresa que me faça tropeçar. não sei dizer, meu bem, mas essa tua beleza me dá um medo infantil de perder o presente desejado. e te olhar assim, com vinho derramado na cama, e com o calor da noite primaveril, te olhar bem debaixo da luz forte desse quarto... não sei... faz qualquer medo parecer erro. e não quero errar contigo, amor meu. não me deixe fazê-lo.


"Ali fui mártir; Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo; Aqui encontrarás minhas pegadas; E pedaços de mim por cada canto." [ Vinicius de Moraes ]

no verde das folhas

terça-feira, 16 de novembro de 2010 às 21:45
Escrever me é urgente. Deve ser porque toda aflição, toda angústia só se torna fim em si mesma quando escrita. Escrevo, pois.
Escrevo e erro.
Constantemente. E abundantemente.
E só.

torre invertida

domingo, 7 de novembro de 2010 às 23:11
Isa quebrou o limite nunca dito. O limite que Gustavo estipulou e que ela aceitou sem se dar conta. Isa deu um passo fatal: ligou para Gustavo.

- Sinto sua falta.
- Tá tudo bem?
- Não. Tive um dia péssimo. Tô meio triste, meio só.
- Quer conversar?
- Quero carinho... Posso ir na sua casa?
- Amanhã eu tenho que acordar cedo, preparar umas provas, fazer uns slides.
- Entendo...
- Mas você pode falar. O que te aflinge?

Isa desligou. Não era isso que ela queria. Uma conversa informal pelo telefone sobre seu dia, seus problemas, seu mundo. Isa queria mais. Isa queria a proteção, queria o calor do abraço, o colo. Isa queria aquilo que Gustavo sempre deu sem pedir. Mas o pedido, assim tão explícito, tão eufórico fez parecer claro, o natural. Gustavo esquivou-se. Isa não insistiu, embora a vontade de dizer poucas e boas tenha subido à garganta. Queria dizer-lhe que tantas vezes ele a chamou para sua casa, para o prazer, para a conversa, para o filme e pizza fria. Tantas e tantas vezes, na chuva, ela dispôs-se a segui-lo. A amá-lo. E agora, Gustavo, sem dó, retirou sua sombra fresca. Isa não se irritou, tampouco se admirou. Isa conhecia bem a fugacidade dos trejeitos de Gustavo. E sabia ainda mais que ela não era mulher pra ele, e que ele não era homem suficiente pra ela, ainda que os dois se entendessem muito bem. E se gostavam. Divertiam-se do humor seco de cada um. Tinham lá suas afinidades. Usavam o mesmo xampu. Mas Gustavo era de fogo e Isa era de água.

- Isa, quer vir? Te faço um café gostoso, daqueles que você acorda pedindo...

- Vou me vestir. Me espera.

Isa quebrou o limite. Mas o limite ainda está lá. Intacto e agora não mais escondido, oculto. O limite está expresso. E Isa espera. Não sabe se o ultrapassa, não sabe se o esquece. Não sabe o que espera. Mas espera. Isa se expande, mesmo com todos os limites.

"Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Uma vez, discuti feio sobre determinada situação. Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra que querer ter sempre razão? Não quero ter razão, Quero é ser Feliz!" [ Ferreira Gullar ]

outra direção

quarta-feira, 3 de novembro de 2010 às 22:12
... a menina sabia desde o início. aprendeu com o desapego. o tempo e algumas pessoas lhe deixaram essa lição: do pouco que fica, é de todo seu. embora no verão passado tenha sido seu, o passo em falso. esquivou-se como criança. envergonha-se, inclusive. mas além de refém dos laços, a menina também era prisioneira da sua condição de imprudente. enquanto se jogava em braços transeuntes, sentia o desmedido sentimento de afeição. desses que a gente conhece e indeseja. desses que a gente evita quando pode e foge quando percebe. sem evitar e sem se esconder, a menina atirou-se dessa vez não à ele, mas à vontade. e foi boa a sensação do livre tentar. agora que se foi: ele, não a vontade, a menina espera o próximo passageiro. que dessa vez passe mais devagar, como se estivesse ficando...

"A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea — Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma..." [ Fernando Pessoa ]

quem havia de dizer

segunda-feira, 25 de outubro de 2010 às 14:16
Veja você, foi uma surpresa! Mal poderia chamar de encontro, de casualidade, melhor seria: foi um esbarro. Sim, um esbarro. Estávamos nós, atravessando a Rio Branco e bum: um de frente para o outro. Os carros buzinando, as pessoas passando amontoadas, empurrando nós dois, os transeuntes parados em meio a faixa de pedestre. Rimos do desastre. Porque nosso encontro-esbarro para sempre seria um desastre. Tentamos fingir naturalidade, mas o que menos havia naquele embate era qualquer coisa de natural. "E aí? Como vai?", "Bem e você?". Estilo mesmo 'Sinal Fechado' de Chico e Bethânia. Mas fomos além. "Uma cervejinha?". "Nesse calor? Que maravilha!". A conversa não evoluiu. Os assuntos eram curtos. E o cigarro atrás do outro mostrava que tanto eu quanto você estávamos nervosos. E ansiosos, talvez. Aonde isso iria parar? Não parou. Voltamos para o metrô com promessas de encontros futuros. "Aquele filme que tá passando no CCBBB...", "Nossa, estava mesmo doida pra ver!". E, mais uma surpresa: estamos aqui. Quantos anos se passaram mesmo para que tudo isso voltasse com tão mais força? Nem sei. Mas é encantador esse museu contemporâneo. Esse quente nos dedos sem anéis. Sejamos ciganos.


"E quando, de repente, atravessando a mesma rua engarrafada, a gente se encontrar, eu sei que você vai imaginar que como fazem na tv, uma canção romântica há de vir no ar, selar o encontro que o corpo sente e o coração aos pulos quer viver..." [ Oswaldo Montenegro ]

travessia

terça-feira, 19 de outubro de 2010 às 18:40
Choro, sem medo. Choro porque depois de tanto tempo é difícil colher tanta coisa que não se plantou. Talvez sejam lamentos de menina. De certo, faz parte da vida. Mesmo que seja das passadas. Procuro alguma harmonia nesse desencanto efêmero que me assombra e me abraça. Mas só o que acho é um encanto sobrenatural nessa desarmonia vulgarmente conhecida como mundo. Peço calma. Peço tempo. Peço calma e tempo porque até onde estou eles se misturam e se confundem como moléculas. Por vezes, chamo aos berros que me socorram. Noutras, silencio e me refugio, mentindo a mim o desejo de encontrar quem quer que possa me oferecer o novo. Ou o vivo. Ergo-me, cambaleante, dia após dia na esperança feérica de me espelhar. O perder para se encontrar. Entende isso? É confuso, mas é humano. E sentimento é o único arquétipo universalmente irrefutável. Então você me entende...


"Eu sempre sofri em silêncio, - e o silêncio nos faz sofrer mais profundamente." [ Kahlil Gibran ]

o vazio que cabe

quarta-feira, 13 de outubro de 2010 às 18:42
a menina mudava de rosto conforme a ocasião. preto, vinho, azul. não importa qual a cor da sombra nos olhos, o tom de sangue vivo nos lábios era sempre o mesmo. sua pele morena não realçava tanto a cor escandalosa, mas o batom deixava bem claro o que queria dizer através da boca: ela fere. e feria por aí muitos e muitos protótipos. não de propósito. não é sua essa maledicência vermelha. também não era tão ingênua a ponto de não saber o poço fundo que cavava. pois a menina não só mudava de caras, como mudava de cárater. dependia do vestido. do tamanho do pano. e da extensão da noite. e se divertia, a menina, com tantos personagens cada vez mais reais. para os outros, menos para ela própria. foi assim que ela, ao inventar e desinventar festas e lutos e encontros e motivos e tropeços, que se deixou levar. "não quero mais", bateu o pé. como criança e sua condição de livre encenação. e fechou as portas e largou as cores e os tecidos. juntou folhas e perfumes. e pronto... encerrado o ato! mas a vida continua, menina. ela nem percebe...



"(...) e eu lhe respondi que não fazia nada mais que estar vivo, porque tudo o mais não valia a pena." [ Gabriel García Marquez ]

o que me falta é o que me basta

quarta-feira, 6 de outubro de 2010 às 00:08
... o que me sobrou de você foi uma ferida exposta. um buraco imenso e fundo que infecciona toda vez que alguém chega com ares de cura. e mesmo que venham linhas de ternura para costurar esse cancro seu, ele lateja como se não estivesse preparado para se tornar cicatriz. eu finjo, entre cortinas, que ele não existe. que ele não grita por atenção. que ele não me causa repúdio. mas a bem da verdade é que ele me causa coceira em dias de sol e dor nos dias de chuva. e mesmo tapando com uma atadura, as pessoas notam e comentam que eu escondo sempre alguma coisa por debaixo de mim. eu digo que foi acidente, por vezes até minto, não-é-nada, vai-passar, trauma-de-infância. mas que diabos, quem estou enganando? isso tudo é você. foi sua culpa. foi você quem fez. essa ferida tem seu dedo que escarafunchou e fez sagrar. foi você naquele fatídico dia que, covarde como sempre foi, vendo-se perdedor do conflito, resolveu me marcar. um troco muito bem dado, diga-se de passagem, posto que te marquei com suaves desgostos. embora não tenha fugido de nenhum deles. mas que seja! espero. espero porque é o que dizem: o tempo sempre cura. e ao contrário de você, não ofereço a ninguém a cruz que não possam carregar.


Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você. [ Sartre ]

o labor das línguas

quarta-feira, 29 de setembro de 2010 às 19:02
Juro que não queria falar de você. Não que me falte palavras. Tenho-as aos montes. E combinações entre elas me surgem à cabeça todo minuto. Mas, sabe, não quero que se veja por aqui. Não sei, inclusive, que importância te dar. Medo de que você veja que acho nós dois confusos e se surpreenda porque talvez você nos ache extremamente claros. Pretensão pura já que parto do pressuposto de que você me lê. Acho que nem o faz, sinceramente! E se um dia quem saiba venha a me encontrar, não quero que discutamos registros passados de sentimentos que morreram ou amadureceram. Porque é isso que acontece com os encantos, não é? Eles morrem ou se transformam (em amor, por vezes). E não sei nem o que somos, o que fomos, quanto mais saberei o que vamos ser! Embora esse futuro nosso seja cada vez mais próximo. Então, quando ele chegar, pomposo ou desastroso, eu escrevo coisas sobre você. Te escrevo sobre sentimentos que, dessa vez, serão diagnosticados (assim, bem visceral!). E espero que você os leia. Porque é assim que tem que ser. Como será, não sei.


"Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz." [ Clarice Lispector ]

corre e olha o céu

terça-feira, 21 de setembro de 2010 às 19:57
Porque são humanos, são falíveis. E não espero nada deles, a não ser essa falibilidade que é minha também. Que é de todo mundo. E espero que eles maquiem minhas imperfeições tanto quanto maquio as que são deles. E faço de bom grado. Na verdade, faço porque não sei não fazer. Faço porque é meu, é a minha natureza deixar levar. E o que fica, o que finca, o que importa, isso não se vai. Fica numa caixinha que cultivo e cativo. E fortalece porque amizade é isso mesmo: força. Mas porque sou humana, portanto, falha por definição, também quebro. E quebra junto toda essa força que cuidamos e nos mostra uma fraqueza que também é minha. Que é de todos nós. Remendar uma corrente não dá certo. Qualquer remendo, seja qual for, não fica como era antes. E eu vou tentar consertar, juntar os pedacinhos, fazer uma nova caixinha, quiçá. Tapar alguns buracos... E se não der certo, a gente constrói de novo. Porque são humanos, não são recicláveis. E eu não quero esse quebranto de novo. De novo.



"Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal." [ Oscar Wilde ]

o amargo

quinta-feira, 16 de setembro de 2010 às 19:11
por que ainda ficas? por que ainda me olhas com estes olhos pedintes? por que tentas buscar explicações pra toda essa coisa ilógica e racional que é o desamor? vai te embora. não voltes, se puder. não ligues, se conseguir. não me procures, lhe peço. e quando me vir passando pela calçada, não sorrias como sempre fazes com qualquer um. quero estar aquém de qualquer simpatia que possas oferecer. tampouco posso oferecer-te nada além do que meu desprezo. e não te espantes com minha aspereza. nem lhe é tão novo, embora pra mim não seja caro. mas esse vômito é tudo que acumulei dias e dias de aversão que contive por carinho a ti. mas até o carinho já se foi. a catarse se faz necessária. se puder entender, entendas. se não puder, partas com muita dor. essa és tu, a que sempre sofre. não compartilho de nada que possas ter lhe causado pesar. tu mal queiras ver o mal que, conscientemente, me trouxeste. não reclamo, contudo. tu nunca tiveste tez de bons ventos. olhe, sigas teu caminho, longe do meu, faças o favor. e escondas tu esse choro dos olhos. não me causa piedade esse amadurecimento de um amor solitário. agora vai-te. vai!


“Cuidado com as ilusões, mocinha, profundas e enganosas feito o mar que é teu elemento.” [ C. F. Abreu ]

o doce

sábado, 11 de setembro de 2010 às 11:39
se aconchegue, pequena. venha, meus braços estão abertos e clamantes. teu cheiro inundou a sala antes mesmo de chegar, eu estou aqui esperando que te atraques em mim. largues o quente da caminhada e venha para que minha pele te aqueças com mais fulgor. sorrias assim, menina. é tão gostoso tua risada de descanso. teu leve sussurrar de agradecimento implícito. as palavras transbordam e eu as ouço porque essa é nossa paz. e o leve comentar da existência do mundo lá fora me faz regozijar ainda mais esse mundo só nosso aqui dentro. encaixe tua cabeça no meu peito. é bom mexer nos teus cabelos e ver que o cheiro suave do teu shampoo me inunda inteiro. engraçado, amor meu, toda vez que sinto tua falta, toda vez que estou longe de ti, é esse cheiro dos cabelos que vem à cabeça. me visita sempre a imagem de ti dormindo aninhada em mim quando estamos vendo filme no sofá. tu que não gostas de filme, aceitas sempre como pretexto. gosto desses subterfúgios que tu aceitas e inventas só pra que a gente se tenha. gosto mais ainda quando me acordas com a fumaça do chá e com palavras calmas da beleza do dia. tão bonito, morena, que o dia pra ti esteja sempre tão belo! que a chuva seja motivo de abraço e o sol motivo de mãos dadas. chegue mais perto, meu bem. chegue...


“Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas.” [ C. F. Abreu ]

nunca demora

segunda-feira, 6 de setembro de 2010 às 23:19
a história de amor, nada mais é, que a história do mundo. eu não sei se é o frio das pernas ou o preto dos olhos, não sei se é a nostalgia dos setembros fugidos, muito menos se é a interminência e - por que não? - a impertinência das lembranças tuas que não me desgarram. eu não sei bem... só sei que dona do meu próprio individualismo eu me declaro perdedora. me dividi em você como nunca ousei me dividir com ninguém mais. meu cordão umbilical não se rompeu. me pego ainda pensando no que você irá achar sobre isso ou aquilo, já que você sempre teve opinião pra tudo. já que você sempre quis participar de tudo e medir e desmedir e escarafunchar toda essa minha vida que não te era palpável. lembro-me de como eram as saudades de você que me faziam escrever ilimitadamente, uma poesia até bonita, doce e entregue. mas agora, a saudade continua e aperta e arqueja e incomoda, mas mal consigo compor algumas linhas para agradar minha vaidade. ou a vaidade alheia. e não vou falar de amor. falta, eu sei que falta. quanto tempo faz que o perfume do jardim não nos invade? mas falar de amor, é ferir algum orgulho, que não teu, que não meu, orgulho de alguma coisa que fomos nós, um substantivo uno que talvez nos defina ou que já nos definiu, pois agora tudo já foi. vejo que sobrou tanta coisa amarga e morta. vejo que saudade também é impulso. e corro aqui pra te contar, ferindo orgulhos abstratos, que escrevo sempre pra suprir tua falta. embora preencher qualquer coisa seja sempre uma ilusão.


"Sou o que falho." [ Fabricio Carpinejar ]

"gosto do que começa com j"

sexta-feira, 3 de setembro de 2010 às 14:26
você disse que não era mais um menino e isso, de alguma forma, me fez entender que você me via como uma menininha. me fez convites aos montes que eu recusei com suprema dúvida. me fez elogios desconexos que eu não entendi, mas que me convenceram. fomos. e muito do que deveria ser, se exacerbou e tornou-se grosseiro. não sei com que força bruta me esquivar. mal sei se faz algum sentido tudo isso que eu penso de você agora! e, dentro desses seus olhos largos, eu vejo algum pensamento de desaprovação que me faz querer fugir. e fujo. porque você parece muito, mas não é. e agora já foi.

"Não me peçam para dizer quem sou e não me peçam para não mudar." [ Michel Foucault ]

história da vovó #1

terça-feira, 24 de agosto de 2010 às 22:04
Persival Dutra estava empolgadíssimo. Arrumou a mala, a única que tinha, já rasgada aqui e ali e selecionou suas melhores roupas. Deixou pra trás aquelas que não fossem tão boas quanto o destino que se seguia. Dias antes, recebeu um telefonema chamando-o para trabalhar na Rádio Guanabara. Ah, o Rio de Janeiro... Como sempre ansiou conhecer essa cidade das mais belas músicas que anunciava! Agora iria ser um locutor de sucesso na cidade onde tudo acontece! Persival Dutra estava tão empolgado...

Em abril de 1958, ao chegar no Rio, instalou-se num quartinho alugado na casa de seu Ananias. Era uma casa simples no subúrbio da cidade, mas por ora estava bom. Enquanto preparava sua voz no banheiro contíguo, Persival viu um vulto pela janela. Pôs se a olhar. Era Leda da Rocha, filha de seu Ananias. Era baixa, de curvas largas e fartos seios, possuía bochechas rosadas e um sorriso automático. Sorriso este que, mais tarde, descobriria que sempre viria com muitos palavrões.

Leda era desbocada e independente. Embora muito nova, saía falando sobre todos os assuntos, sem filtro algum. Caçoava das pessoas, mesmo daquelas que não conhecia. Defendia o pai com unhas e dentes e se pusessem a falar mal dele, ela soltava os palavrões. Pois não houve remédio: Persival ficou perdidamente apaixonado por Leda. Embora bem mais nova e mais cheia que as meninas da sua idade, ele não pode conter a atração que ela exercia. Era tão solta!

Passava os dias a observá-la. Ela espiava por vezes, mas sequer lhe dava atenção. Não fazia o seu tipo. Mas Persival não desistia. Fazia-lhe poesias que ela aceitava de bom grado. Dizia que eram muito bonitas, depois jogava fora e saía a andar com seu jeito desdenhoso. Dedicava-lhe músicas na rádio que ela vivia cantarolando pelos cantos da cozinha, mas, geniosa, nunca agradecia.

Um dia, Leda se arrumou toda para o show do Cauby Peixoto que ia ter no teatro próximo. Persival ardeu de ciúmes. Puxou-a no canto e proibiu-a de ir. Disse que ela era dele e de mais ninguém, e que esses concertos não eram apropriados para uma menina como ela. Ela riu-se alto e provocador. Mal deu-se o trabalho de responder. Saiu andando para encontrar as amigas.

Leda, no meio do show foi chamada às pressas pelo seu irmão. Algo de muito grave tinha acontecido! Saiu enjuriada porque iria perder metade da apresentação, mas foi então que seu irmão falou apressadamente: Persival tinha tentado se matar! Mas o que ela tinha a ver com isso, oras? Fora do teatro, seu pai já a esperava no carro para levá-la para a casa de sua tia. Comunicou, por fim, que Persival tinha deixado um bilhete que falava no nome dela.

Leda nunca soube realmente o que havia escrito no bilhete. Sua mãe ao ver tamanha desgraça rasgou e queimou-o imediatamente. Soube, contudo, que Persival fracassou ao cortar os pulsos. Não morreu. E foi expulso da casa de seu Ananias. Leda ficou um bom tempo escondida na casa dos tios. Tempos depois, Persival mudou-se para perto dela e volta e meia parava-a na rua para lhe dizer de amor e morte. Leda nem ligava! Soltava o braço e saía a andar displicentemente pela rua soltando palavrões e risadas estrondosas.



Em homenagem à minha avó Leda com suas histórias reais sempre com muito sabor.

sucessão

terça-feira, 17 de agosto de 2010 às 21:17
nossa conversa informal, no meio de garrafas de cerveja, chuva e fumaça de cigarro ficou diferente quando você surpreendentemente disse "você é especial". assim, do nada. talvez até tenha tido algumas palavras antes, algum motivo, algum assunto prévio. mas eu não ouvi mais nada a não ser o seu agrado repentino. belo e novo. e, pela primeira vez, eu te olhei mais fundo. reparei nos seus olhos comuns. no seus dentes brancos e pequenos. no seu cabelo cortado rente. te vi e pensei que você não me lembrava ninguém. era você pura e simplesmente você. amavelmente você. e aí eu comecei a desconstruir tudo aquilo que eu havia acumulando antes de você chegar e me dizer coisas à queima roupa. comecei, então, a pensar que haveria algum sentido em todo aquele ritual colorido que fez com que a gente esbarrasse nossos copos cheios. e quando você se foi, prometendo voltar eu percebi que não iria te esperar porque é difícil desconstruir esse devir que é o passado. e ao ver você andando sem desviar os olhos de mim até virar a esquina, eu vi que seus olhos não eram tão comuns assim como eu pensava. e que amanhã estarei ali bebendo. sem te esperar. sabendo sem querer que você vai aparecer.


"Seu maior medo era o destemor que sentia. Íntegro, sem mágoas nem carências ou expectativas. Inteiro, sem memórias nem fantasias. Mesmo o não-medo sequer sentia, pois não-dar-certo era o natural das coisas serem, imodificáveis, irredutíveis a qualquer tipo de esforço. " [ C. F. Abreu ]

outras aflições

domingo, 8 de agosto de 2010 às 23:28
Ana levantou da cama alheia, ainda trôpega da noite anterior, a noite de muitos vinhos e muitas mentiras. Foi difícil equilibrar-se já que a cama, nada mais era que um colchão estirado no chão. Ele, dormia mansamente, como se estivesse fingindo. Pouco conhecia dele, talvez até estivesse.

Procurou suas roupas. Estavam sujas de um grená escuro do vinho que tanto derramara no meio de tantas risadas escandalosas. Pegou uma bermuda bege dele – quem era ele? – e enrolou-se numa toalha branca que estava pendurada na parede e foi ao banheiro.

Ligou o chuveiro. Não sabia se era permitido tomar banho na casa dos outros, mas estava se sentindo suja de vinho e de mentiras. Ficou com uma certa ojeriza de usar o sabonete dele, ou deles, não sabia mais quem morava naquela casa – que não sabia se era no Catete ou no Recreio -.

A ducha era forte e caiu como uma pedra nas suas costas de ressaca. Foi bom, pensou Ana. Organiza as idéias. Aos poucos, foi-se lembrando de ontem. Do encontro no bar Bukowski. Do “Posso te pagar uma bebida?”. Que bebida era aquela mesmo? Deliciosa! Ele a conquistou com aquela bebida. Não deixou transparecer, claro. Fez cara de pouco caso. Depois falaram de Albert Camus. De Fernando Pessoa. De Roberto Carlos. E quando viu, já estava no táxi indo pra casa dele para “tomar um vinho, gata.” Um vinho, que mal faria? Ele disse que ia mostrá-la um disco do Cartola. Um livro de poesias inéditas “Inéditas?” “Sim, inéditas!” do Vinicius de Moraes. Uma coletânea em off, disse ele.

A casa dele era simpática. Estilo intelectual-francês. Havia um violão no canto do sofá. Uma garrafa térmica em cima da mesa. Livros, muitos deles. E uma vitrola que deixou de funcionar justo aquele dia! Uma pena...

Lembrou-se de algumas palavras mansas dele, dessas bem aveludadas que por trás, pelos lados e frestas dizem essas coisas sensuais que a gente finge que não entende. Ana riu sem querer. Gostou dele. Dos cabelos principalmente. Desleixados. Usava uma camisa branca. “O branco lhe cai bem”. Ele riu. “O vermelho também lhe cai bem.” Estava de verde. Mas deixou pra lá.

Fechou o chuveiro. Enxugou-se com a toalha que já estava meio suja, e não sabia de quem era. Dele? De um outro alguém? Havia vários colchões no quarto, talvez mais pessoas morassem ali. Que seja!

Entrou no quarto, ele ainda dormia dessa vez mais profundamente. Respiração forte. Resolveu vestir sua roupa suja. Já era dez e o sol lá fora, embora fosse inverno, estava se impondo. Viu que a mancha de vinho era grande e que a blusa verde quase parecia vermelha. Viu também que ele, de alguma maneira, lhe lembrava aquele seu ex que foi morar em Brasília e nunca mais lhe telefonou.

Ana ficou um tempo pensando se escrevia um bilhete para o anfitrião. “Olá, tive que ir, meu telefone é...” Não, não. Muito descarado. “Oi. Tive mesmo que ir. Me diverti muito ontem. A gente se vê.” Muito blasée. Decidiu por não deixar nada. E foi embora.

Ana sabia que ele era mais um que iria para suas crônicas, não para sua vida.


E parece que nós continuamos a viver o amor por carência. Metemos no amor tudo o que não sabemos onde meter. [ Inês Pedrosa ]

sê magia

sábado, 31 de julho de 2010 às 22:34
... e me deu uma coisa louca, estranha e insolente que eu não sei como chamar, talvez ciúmes, é ciúmes, acho que é isso. não de ti. faz tempo que não te tenho o apreço de outrora, mas ciúme desse teu amor desmedido e explícito por ela. quem é ela? por que ela mereceu tua ternura mais do que eu? porque ela teve sacrifícios teus que tu jamais fizeste por mim? talvez seja despeito, mas ainda assim acho que é ciúmes. ver essas fotos e palavras bonitas. veja só, palavras mesmas! exatamente os mesmos versos tirados de filmes que tu gostavas, e eu gostava, e que escrevias pra mim como se fosse um bucado de carinho, alimento pra pássaro. muita ousadia tua jogar aos quatro ventos o que me deste e negaste logo em seguida, assim como quem muda de idéia do caminho mais seguro pra se chegar à escola! não sei se é ciúme ou egoísmo, mas esse querer-te longe se misturou com alguma coisa como querer-te só e por fim, com querer-te frágil. contudo, não quero-te triste. alegria aos montes pra ti e pra tantos outros que me trouxeram nuvens negras de dissabor. não, não é ciúme. é petulância esse fingir amizade? ainda mais nós que nunca estivemos no mesmo degrau! e tu, que sempre vinhas quando não estava e foi-se quando cheguei. é uma coisa louca isso. não sei como explicar. parece com ciúme, se não o é...


É verdade que, se extrairmos a vaidade desse pobre amor, resta muito pouco; uma vez privado de vaidade, ele vem a ser um convalescente fragilizado e mal pode se mover." [ Stendhal ]

nobres ilusões

sexta-feira, 23 de julho de 2010 às 14:40
Na gaveta de baixo, dessas gavetas em que ninguém se abaixa pra abrir, gaveta de coisas que você nunca usa, é nela que estão todos os diários de menina. Tempos de menina que ela se esqueceu por orgulho. Há tempos, clama aos ventos ruidosos da cidade de praia, de que não é mais menina! Há tempos... E alguma coisa muito madura dentro dela nasceu, é verdade. Mas ali guardado, há quanto tempo mesmo?, estão os escritos passados. Ela sempre gostou muito de escrever. E egoísta, como regem os astros, sempre gostou de escrever sobre si, embora a faculdade de agora a obrigue a escrever sobre todo o resto. Eram muitos diários. De muitos anos. E muitos amores. A letra quase a mesma, com algumas variações de tamanho e cor de caneta. Citações, como sempre! Todos eles possuíam citações de frases de alguns dos muitos livros que ela costuma ler desde muito cedo. Riu quando viu que já lera Paulo Coelho. E gostava. Riu mais ainda quando, aos 14, disse que Virginia Woolf era confuso. E nas páginas enfeitadas, sentiu-se mais menina quando viu que muito do que estava ali, com alguns erros pouco usuais de gramática, ainda era sua vida de agora. Os temores infantis da solidão efêmera. A dubiedade entre ser e parecer, entre o mostrar e o mentir, essas coisas que a gente acaba por nunca escolher quando cresce. Ah, e os amores confusos e fugazes. O se jogar por inteiro naquilo que ainda é superfície e se frustrar quando descobrir que muitas coisas, não possuem nada além do superficial. O famoso invólucro falacioso! Não precisava ser menos menina pra saber que tudo isso existe, mas foi só depois de grande, não muito grande, que ela descobriu que essas coisas permanecem. Como um estigma. Fechou todos os diários e a gaveta. Descobriu-se mais que revelada, descobriu que não é só o maldito ato de escrever compulsivamente - com um quê de egoísmo solar - que continua o mesmo, tudo o mais também. Assim sem nenhum brilho.


"Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta." [ C. F. Abreu ]

testemunhas #2

quarta-feira, 21 de julho de 2010 às 00:25
- Vem cá, sabe do que eu gosto em você?
- Ahm?
- Desse seu jeito de ficar se olhando no preto dos meus olhos. Quando você acorda cedo e me olha, aí lembra que está despenteado e fica se arrumando pelo espelho que são minhas pupilas.
- É disso que você gosta? Do meu egocentrismo matinal?
- Ai, você tira todo o charme da coisa... Gosto disso, ué. Parece que tenho brilho nos olhos. Do contrário, você não iria se ver.
- Você tem brilho nos olhos...
- Tenho?
- Na verdade, todo mundo tem!
- Ai, tá vendo? Você sempre perde o momento de ser romântico.
- Não vejo nada de romântico em brilho dos olhos. Aliás, acho clichê por demais.
- O romantismo é um monte de clichê que todo mundo gosta e sempre faz efeito. Ser criativo não serve pro amor. Serve pra muitas outras coisas. Pro amor, não.
- Hmm...
- Que foi?
- Você falando de amor...
- O que que tem?
- Não sei.
- Te incomoda?
- Não. Mas me lembra que tem assuntos entre a gente mal resolvidos.
- Não tô querendo te lembrar de nada.
- Botando culpa no subconsciente? Isso não é nada criativo. Clichezaço!
- Você leva tudo pro lado do mal.
- Você leva tudo pro lado do amor. Sempre.
- Não sei qual é o problema...
- É, nem eu.


O amor é tão arrogante que não aceita virar amizade. [ Fabricio Carpinejar ]

testemunhas #1

domingo, 18 de julho de 2010 às 00:08
- Quando você fica assim...
- ...assim como?
- Espera! Eu não terminei de falar.
- Desculpa. Vai, quando eu fico assim...
- Então, quando você fica assim, toda encolhidinha, com as mãos por entre as pernas, e as pernas, por sua vez, enroscadas uma à outra, eu sei que você tá pensando em alguma coisa pra dizer e no fim, decide por não dizer. E fica com esse seu olhar de quem quer muito contar, mas não pode. Ou tem medo.
- Isso tudo você percebe pelo jeito como me encolho? Pode ser frio...
- Não é. Não é assim que você sente frio.
- Posso estar com frio nas mãos.
- Pode, mas não está.
- Humm... Essa explanação toda é pra mostrar que você me conhece bem?
- Não te conheço bem...
- Não? E consegue entender os mínimos dos meus jeitos com uma sabedoria dessa proporção e acha que não me conhece bem?
- Você é fácil de decifrar.
- E isso é bom ou ruim?
- Depende.
- ... do que?
- Depende do que você quer dizer. Ser transparente é bom pra quem quer que te escutem, que te entendam. Ao mesmo tempo é ruim, se você quer que seus pensamentos sejam sempre mistério.
- Então eu não sou misteriosa?
- É.
- Isso faz sentido pra você? Pra mim, não faz algum!
- Porque você sempre, de algum jeito caricato, mostra que tem algo pra dizer, ou algo que você sente e te incomoda, mas não diz. A gente, eu e todo mundo, vemos em você essa catarse contida. Mas nunca sabemos o que é.
- Bonito.
- O que?
- Essa maneira como você me vê. Ou... como você mesmo diz... como me veem.
- É...
- Engraçado que...
- De novo!
- O que?
- Você não deixa eu terminar de falar!
- Desculpa.
- ...
- Diz!
- Já esqueci.
- Eu sou ansiosa.
- Eu sei.
- É, você sabe demais de mim.
- Menos aquilo que você não diz...
- ...e que me faz encolher toda. Eu sei.


Tentar entender o outro como a gente se entende ainda é não sair de si mesmo. [ Fabricio Carpinejar ]

brilhos falsos

segunda-feira, 5 de julho de 2010 às 19:38
mais uma vez. num eterno retorno infalível, mais uma vez. o cenário não mudou: essa mesma rodoviária para dizer o mesmo adeus. só a pessoa que mudou. que bom! embora o sorriso, desconfio, é quase o mesmo. é agonizante ver que todas as pessoas estão partindo e eu continuo no mesmo lugar. é essa espera no porto, no ponto fixo. é essa insensatez de quem vai que incomoda. e fere. porque ir é sempre doloroso. e a partida sua me lembra que nenhum azul do céu vai esconder essa coisa bonita de se escrever que é a falta. e quem vai me dizer que não faz sentido algum a espera? que saudade é medo de se sair do lugar? se estou aqui, foi porque vim de algum outro ponto que, de tão pequeno, me expulsou! mas aqui, de tão grande, me cabe tão bem que vê-lo voltando pra longe, me dá a certeza que meu abrigo não é mais uma cidade, são teus braços. que cheiro seu é meu aroma de cura-ressaca. que o som da sua voz, assim meio cantada, nesse sotaque viajado, é bem desse jeito, que não vou dizer qual é, não cabe aqui, mas que você sabe, se bem sabe e bem gosta. e judia. judia porque sabe. e sabe fingindo esquecer. venha você me dar um último abraço. desses apertados que só você sabe dar. mais uma vez, se puder. e volte. estarei sempre aqui, você sabe...


"E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você. Mas não me permiti, não te permiti, não nos permiti. Pedro Paulo me dizendo no ouvido "nunca vi essas luzes nos seus olhos".

da cor do azeviche

terça-feira, 29 de junho de 2010 às 20:04
eu penso que queria ter você por perto e você me aparece, de repente, com alguma camisa xadrez e o cigarro entre os dedos contando a alguém, alguma história muito boa de se ouvir. e penso como foi bom ter pensado em você com tanta força e você ouvir. e repenso, então, que você estava ali não foi porque eu te quis, alguma coisa entre destino e acaso te fez mais perto. você finge que não me vê. mas em alguma hora, já lá pras tantas, você procura meu cheiro e encontra meu pescoço. é sempre assim que você se aproxima: pelo carinho que seu nariz faz no meu pescoço. não reclamo do atraso. a espera é caminho e de que vale o destino sem a estrada? prometo ser a última vez que me rendo às suas palavras filosóficas. prometo não mais me derreter pelos seus olhos, pretos de sentido, que perscrutam todo o meu rosto, como se quisesse gravar ou descobrir. olhos de ator. ah, mas não adianta promessa quando não existem palavras. essa coisa submissa do sentimento. sinto tanta coisa boa ao seu lado, algo que emana do seu cheiro e do seu beijo. e quando acordo, vejo que promessa alguma se sustenta. mas prometo. sempre. penso que é muito bom acordar do seu lado, enlaçada nos seus braços. é daí que vem seu encanto: a proteção que você me dá, até mesmo dormindo. a forma como você me oferece dedos, mãos, o quente dos pés, e o carinho da barba. assim, sem eu sequer pedir. embora quando falte, eu reclame. gosto tanto quando você se mexe com cuidado, para que eu não acorde com seus movimentos. eu acordo e rio quietinha, porque é bonito ver que você se importa, mesmo que tão pouco. e penso nas vezes que você esquece histórias da minha vida que te contei em mesas de bar. dessas muitas mesas que a gente sempre se esbarrou, relembrando que tudo da gente é casual e efêmero. mas esqueço tudo quando vejo você me dando sua toalha primeiro para que o frio fora da água quente, não me tome de início. aí eu penso em todos os seus livros espalhados pelo chão da sua casa na árvore, como se fosse algum caminho que me fez chegar até ali e como você ouve com atenção e júbilo tudo que eu tenho pra dizer sobre eles. gosto quando você me convence da sutileza da poesia enquanto eu te oferto uma prosa barata. e a gente se deleita. e se afunda no colo. porque amanhã eu vou embora. mas a gente se esbarra por aí, né?


"Não adianta nem me abandonar... porque mistério sempre há de pintar por aí." [ Doces Bárbaros ]

desconsidere

quinta-feira, 24 de junho de 2010 às 01:05
eu não sei o que me faz escrever essas horas altas da madrugada. as palavras, de certo, estão tortas. talvez erradas e mal conjugadas. algum acento ali que era pra lá, algumas letras a mais... a menos... sei lá. só sei que é tarde. e que dói o peito tudo isso e não consigo dormir com esse choro preso nos olhos. nem era pra ser choro, nem rancor. nem ferida no peito. mas é tudo isso por um motivo qual que não sei explicar. e nem estou aqui pra explicar. estou aqui pra dizer que... hoje... expecionalmente hoje... ele me fez chorar. colo de todos os meus prantos. palavras sábias de todos os meus dissabores. ele me fez chorar por crueldade. ironia pura, embora inocente. não sei se merecia ou não. não estou na sobriedade para dizer. só sei que me feriu como jamais houve. vindo dele, não esperava nada mais lancinante. e meu desabafo, um pouco injusto por imprudência, é só para dormir um pouco menos agitada. é só para deixar pra lá o que me trouxe o desconforto dos dias não mais esperados.

palavras cruas sempre virão. aprendamo-nos.

e eu me esquivo enquanto posso. enquanto devo.

ébria. que fique claro.

pedra do mar

domingo, 20 de junho de 2010 às 02:19
a noite é alta, o café é pouco, o sono nem existe. te compus alguns pensamentos. afasto. essa proibição autoimposta tem sido veneno frequente. assim mesmo sem trema. engraçado que pensar em você, assim depois de tanto tempo de amargura, fere sem querer. não sei porque você voltou atrás, só sei que não mudou muito a maneira como te vejo. e te ver imperfeito, por vezes cruel, deveria ser um acorde dissonante nessa coisa toda complicada e egoísta que é gostar. e ironicamente eu gosto. um gostar seco e lapidado. desenfreado, confesso. já gostei sem medidas. mas hoje não me arrisco. não penso no amanhã. não me preocupo com o depois. mas os limites são para não provar a mim mesma meu caráter vil. embora ecoe na cabeça gritos que não me façam esquecer minha podridão. de qualquer forma, vamos separar aquilo que já passou daquilo que está por passar. eu vejo vindo alguma coisa bem vazia. mas vamos em frente. quem sabe por entre a névoa não há ainda abrigo? ah, se meus limites alcançassem também os castelos que procuro! mas de nada adianta tanto projeto para pouco cimento. eu só me protejo. e não me envergonho de bater na mesa e mostrar que tenho medo e que me escondo. o que se há de fazer? a gente quer liberdade, mas ergue sempre mais muros. e olha que eu já quebrei muito mais muros do que ergui. penso eu. estatisticamente não falando, claro. e você, aí do outro lado, não sabe e nem vai saber dessas coisas desconexas de fria madrugada. e que não saiba! fraqueza minha não vai passar por seus olhos. não mais. quando passou, você desprezou. olha eu te lembrando o que fingi esquecer! não sei não fazer. mas só faço escondido. aqui. ali. mas nunca pra você. só não quero que você me veja como alguém tão fraco como aquele dia na praça das horas. era eu ou era afrodite, escrava das paixões? só não me mostre mais quem é você, porque não me interessa mais saber que tem amor. que alguma coisa na sua cabeça e no seu rosto mudou. embora eu acredite que não foi tão pra melhor quanto você diz. quem sou eu para medir? mas meço. pretensão humana. bem sabe você. e aqui me deixo e te deixo. com muita angústia que me rouba o sono, para que de você não passe nem mais no corredor de vontades. ou de saudades? tenho pressa. e tenho fome do depois porque o agora me cheira passado quase o tempo todo. carne crua. então que finde esse tormento mentiroso. num golpe.


"Por baixo das palavras que dizes, percebo que há outras que calas." [ José Saramago ]

tudo que venha da lua

segunda-feira, 14 de junho de 2010 às 23:29
Como vai, amigo? Por onde andas? Fugiste desta terra de calor infindo e armaste barraca nessa terra fria de cachecóis coloridos? Não sentes falta das pessoas acaloradas do Rio de Janeiro? Ou Curitiba te traz a calma paterna que sempre procuraste?

Como tantas outras cartas que mandei e não foram respondidas - também nunca voltaram - esta é pra dizer aquilo que tu já sabes, embora desconfio que tenhas esquecido: sinto tua falta, meu amigo.

E mesmo que os problemas sejam muitos, a cerveja sempre abusiva, os livros acumulados, os amores desperdiçados, mesmo que amigos apareçam sempre - e aparecem! - ainda assim, veja só!, tua ausência se faz presente. E mais: se faz lancinante.

E como tu cantavas naquele teatro dos tempos juvenis: "como um porto, um jeito torto, beijo de garoto, um nó... como um laço de paixão... como ser um só." Viste? Não esqueci! Ainda ouço sua voz mansa, meio Camelo meio Chico, cantando aquela música feita só pra mim.

Não sei que vida tu cantas agora, só sei que do lado de cá, ando remando em mar revolto. Nunca fui muito de reclamar, mas a felicidade se amarelou como aquela foto que a gente nem tem mais, perdeu-se nas gavetas.

Quero mais dessa tua doçura efêmera. Sabia sempre, que em algum minuto imprevisto, tu ias explodir. Soltar coisas ácidas e cruas. Para, logo em seguida, voltar à doçura costumeira. É essa tua dubiedade que me fascina. Que queima num apelo desesperado para que voltes e faças vista.

Não sei que buraco o coelho te levou, mas também sei que tu nunca foste muito de seguir. Caminhos teus sempre foram muito ocultos. Mas teus medos, palavras poucas, esses sei quais são. Sem sequer precisar dizer. O que deixamos de dizer?

Amigo, a fogueira daqui queima que não suporto. Venhas logo! Tragas o frio e um pouco de mel para esse caminhar um tanto obscuro. Quero e esperneio, tu bem o sabes.

Só não pares nunca. Capricorniano, tu, és um ser em movimento.


Exitem quase 7 bilhões de pessoas no mundo, a gente se apaixona por uma delas e não quer mais trocar." [ Jostein Gaarder ]

eterno retorno

domingo, 16 de maio de 2010 às 12:02
antes mesmo de chegar, vejo-te na porta:
com os braços cruzados na altura do peito.
olhos baixos como quem procura nas formigas do chão, um sentido para a espera.
é por ti que venho em madrugada tão alta que já engana: é dia.
e essa luz forte nos olhos, cega tanto quanto esse amor que nada diz.
e te digo que é bom te ver, em tom de mentira, para esconder a vergonha de uma verdade sincera.
tu não te importas. tampouco sorris.
eu tiro os sapatos. as meias. a poeira. jogo no chão o que me pesa as costas.
é o alívio que me traz quando todo esse peso vai embora.
e volta.
mas volto.
voltei pra dizer, mas se bem considero, esse silêncio nos cai melhor.
olho pra ti pedinte.
olhas pra mim recluso.
algum barulho desavisado lembra-te de que espero.
imerso em pensamentos, dizes tu.
não entendo. tu não te esforças em explicar, em agradar, em pôr alguma ou qualquer lógica nas tuas proposições.
é por ti que finjo.
sorrio complacente. digo que entendo. calço os sapatos.
esqueço as meias.
que seja! já estão velhas.
e vou andando na madrugada avessa. de volta.
e tu virás atrás.
não agora.
mas virás.
assim como eu vim. sem prelúdios.
e será assim que seremos: não-sendo.
são nossos paradoxos que nos movem.

revés

sábado, 8 de maio de 2010 às 21:48
não consigo evitar um sorriso. sabe por que? porque já do lado de fora, na varanda, eu sinto o cheiro quente (assim bem sinestésico mesmo) do café doce... sim, doce. porque ela, no seu zelo infindo, já adoça o meu vício. na medida certa do meu querer. três colheres. copo bem cheio. sabor bem forte. e ela faz porque prevê minha chegada e não há nada que ela mais queira no mundo do que um sorriso meu. eu sei. e eu sinto muito, um dia ter partido sem que ela prevesse. foi a semente da desconfiança que plantei. e nasceu uma árvore com galhos de discordância, mas que podei e agora a gente se completa. o suporte dela é pouco, contudo ardósia fria também é chão. e eu piso firme porque sei que todo o resto, mesmo o que parece bonito, pode ser queda. e como caí pisando em buracos! e ela me resgatou silenciosamente com uma austeridade que sempre maldisse, mas que me arrependo. e agora atravesso a porta e vejo no chão a bola colorida do cachorro, dengo que me faz sorrir outra vez, sorriso de quem não sabe porque se foi. mas fui porque o amor dela, sufocante na sua grandeza, me fez buscar novos rumos. eu sei, a fiz sofrer com minhas escolhas. como sempre, muito egoístas. só busquei o meu prazer. e ela, compreensiva por profissão, não entendeu. sofri. sofremos. deixemos de lado o que se foi, como aqueles quatro anos de viagens escondidas. deixemos de lado o que de alguma maneira não cabe mais nessa nova paisagem. nessa casa de sofás novos e retrato mais bonito - atualizado - na estante. que fique de lado o que perdi. quero agora só o suave dos fins de semana. a conversa despretensiosa. o vestido que não cabe mais. o cajuzinho de panela. e um pouco mais de café.


e sinto saudade.

amigo. no singular.

domingo, 2 de maio de 2010 às 23:05
Gosto de te ter por perto. De te ver falando sozinho. Ficando vermelho com algum comentário indiscreto que faço, desses que sempre faço. De você pegando uma cadeira pra eu sentar do seu lado e contar coisas desinteressantes que, não sei como, você sempre acha interessante. Quando muito você me oferece sua cerveja dizendo "pode querer!". E quando você vem de longe, andando desengonçado, eu abro os braços com muito júbilo porque seu abraço é uma bela maneira de começar o dia. Porque é abraço de amigo que quer bem. E quando estou mal, triste e descrente, você passa a mão no meu cabelo macio e despenteado e diz "fica assim não, calanguinho...". De alguma forma, eu fico bem melhor quando eu vejo algum sentido nas coisas que você diz. E, às vezes, te vejo no canto pensativo, um pouco taciturno, corro logo porque te querer bem é algo intrínseco e novo. E te quero bem até nos seus momentos idiossincráticos, porque algumas coisas suas são quase minhas. Não sei porquê, mas sinto muito sua falta quando vou embora. E, quando me escondo de todo o resto, de você eu vejo que não preciso. Em algum momento, eu deveria me sentir desconfortável com o tamanho de coisas que você sabe de mim. E você sabe tanto que o que não sabe eu sei que já adivinhou. E adivinha muito. Veja, às vezes falo muito e você se cansa, te atrapalho e te atropelo, mas eu quero te escutar sempre porque não sei como fazer as coisas sem ser desse jeito torto. E parece bonito quando você diz que nem é tão torto assim. E se transforma em beleza quando você fotografa. Os minutos que você passa escolhendo a cor e o tom, o ângulo dos olhos sem miopia, tudo isso faz com que alguma leveza inexistente, apareça. Te procuro quando você não está. Porque é perto que te quero e te adoro. Não importa se judeu, antropólogo, fotógrafo agraciado, alvo principal de criancinhas de ruas famintas por trocado. Se precisar, sei que você me empresta. Não importa... Fique perto. Sempre.


"A memória da gente é safada: elimina o amargo, a peneira só deixa passar o doce." [ C. F ]

sobre você

terça-feira, 27 de abril de 2010 às 16:50
“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo; esse tempo pertence a meus afetos, é para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela.. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis: isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize".

sem mais

segunda-feira, 26 de abril de 2010 às 16:47
"Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante."

Jogue fora quatro anos. Eu jogo fora todo o estupor.

Para uma avenca partindo

sexta-feira, 16 de abril de 2010 às 10:20
Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver
as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer
atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia
destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

[ O ovo apunhalado ]

Verde

domingo, 11 de abril de 2010 às 22:05
Numa noite estranha, com muitas pessoas e pouca luz, a gente se estranhou. Foi estranho como começou e está sendo sobejamente estranho agora que está prestes a terminar. Claro que você não sabe. Eu não te disse que sinto que a gente não dá certo, por mais estranho que isso pareça. Nada no meu corpo, no meu sorriso ou no meu beijo dá a entender que vai acabar. Talvez amanhã. Ou daqui alguns dias. Não sei quando, não sei nem se é preciso. Não sei. Mas vai. E não é minha fatalidade. Estranho, mas sinto como se já soubesse disso antes mesmo de acontecer. Embora tudo o que aconteceu nos mostre que somos dois errantes querendo muito, mas muito acertar em alguma coisa. E de tantos juntarmos os nós, os pontos, as querelas, de tanto acertar em erros que, sem dúvida, já cometemos, o perfeito desandou. E você não sabe. Ainda não. Mas eu vi, tudo se desmanchou e palavra alguma agora, mesmo as muitas que se foram, vai consertar. Talvez seja hora do descanso, não a hora da labuta. Talvez isso de procura seja mero passatempo para quem já encontrou e já perdeu. É estranho demais pensar em coisas para te dizer, essas coisas tolas de despedida, quando você me quer com tanta vontade. E saudade. E esperança. Eu sei que você vai querer me consertar. Eu sei que você vai maldizer meus medos se pondo herói. E, mais uma vez, vou me sentir uma corredora solitária e amarga que destrói castelos de areias deixado há pouco por crianças que foram embora antes do sol. Estranha metáfora. Não sei. Só que é estranho demais essa confusão toda que não tem nome e que parece já ter sido contada. Em alguma história qualquer. Alguma história que eu já vivi.



"Tinha uma coisa muito importante pra dizer. Mas prefiro não dizê-la. Só é sincero aquilo que não se diz. (...) Só o silêncio é sincero". [ Fernando Sabino ]

o que não tem governo nem nunca terá

quarta-feira, 7 de abril de 2010 às 13:55
quando criança, bem pequena, sem muita noção das coisas à minha volta, recebi um presente. era um chocolate que minha mãe comprou na volta do trabalho. era em forma de moeda de um real. ela desembrulhou o invólucro de moeda e me deu. era delicioso. pequenininho, mas muito saboroso. a partir daí, numa analogia infantil, passei a tentar descascar toda moeda de um real. qualquer moeda que meu pai deixava em cima da mesa, eu ia lá e mexia para ver se alguma era chocolate. depois de muitas tentativas vãs e de alguma experiência em tempo, percebi que dinheiro não era chocolate. que aquele, inexplicavelmente era, mas nenhum mais seria. já grande, dias atrás, passei numa farmácia para escolher tinta de cabelo com minha mãe. e vi, num potezinho ao lado do caixa, as famosas moedas de um real de chocolate da minha infância. ri com muita vontade ao lembrar de toda minha inocência e de todas as tentativas que fiz para descobrir mais e mais chocolates. me dei conta que eu, como adulta, ou criança mais crescida nunca associei aquele chocolate como uma não-moeda, só naquele dia em que vi no potinho. para mim, aquela era uma moeda excepcional, que incidentemente veio com um chocolate, como um descuido.

e hoje, hoje mesmo, nesse exato instante me dei conta de que você não é uma moeda excepcional onde eu sorvi o mais gostoso chocolate. sim, você me deu os sabores mais ávidos, os prazeres mais primários, as lembranças mais pungentes, mas não será o único. assim como acreditei a vida inteira na sua singularidade. não há singularidade nenhuma no que você me deu, no que você deixou de dar. e você é uma moeda de um real, como qualquer uma, e não adianta eu fugir disso. não posso te fazer mais chocolate no meio desse mundo que é só moeda. e nem vou.

foi hoje. assim. do nada. hoje que vi. que percebi. que entendi. minha busca é pelo chocolate nos invólucros mais comuns. meu caminho é descascar.



“Como é que eu podia saber que aquelas rosas eram carnívoras?” [ C. F. Abreu ]

estrela, flor, estilo

quarta-feira, 31 de março de 2010 às 19:36
Eu bem que estava evitando escrever. Porque invariavelmente sairia coisas sobre você. Como sempre foi. E sabem lá os deuses se assim sempre será! Mas de alguma forma, muito genuína, pouco angustiante, não posso te evitar. Nem você como pessoa, nem você como assunto. Tá certo que ignoro, contra minha vontade, todos os seus resquícios. Não procuro o que você escreve. É difícil, sabe. Um autrocontrole sem igual! Não sei mais da sua vida, nem da sua barba, nem dos seus planos, das bandas novas que você anda ouvindo e recomendando - essa sua mania egocêntrica de sempre recomendar como se todo mundo fosse seguir o que você diz -. Nem os ventos de notícias, que sopravam de longe, chegam mais por aqui. Confesso: todo dia, em algum silêncio súbito, me vem uma curiosidade imensa de saber como você está. Mas aí faço um discurso mental de que não posso, não devo e só vou me magoar. Funciona! Ai esse negócio do autrocontrole, quem foi que inventou isso? Ajuda pra caramba! Mas aí não falar de você, não dá. Já que não falo pros outros - aqui e ali ainda menciono algo - tenho que escrever, me permita, vai. Meu processo de catarse diário, a escrita, abandonado só porque você, não me quis mais como seu assunto! Não! Não faz sentido! Não há censura - aliás, não há nada mais de você - então continuo. Palavra por palavra. Agora, mais do que nunca, sem sentido algum. Fazendo quem lê me achar até um pouco repetitiva. É que depois que você aconteceu, nada mais aconteceu. E não sou tão criativa para mudar de assunto, nem de vida. Muito menos de história. Nem a fonte eu sei mudar! Bom, mas aqui estou. Escrevendo. Mais enrolando que escrevendo. É que eu queria, no fundo, dizer coisas que você não deveria ouvir. Ahh, mas eu sei que você não vai ouvir, porque seu autocontrole sempre foi maior que o meu - e se já tenho algum, você deve estar muito à frente -, então: me libertei. Vou dizer: tenho um carinho bobo, especial e doído por você. De verdade. Se prometer adiantasse, eu prometia. E considerando toda a água que rolou, todas as coisas que vieram, fizeram o maior estrago e já se foram, ainda assim, veja que insanidade!, ainda assim: existe carinho. Não é recíproco e longe de mim ter alguma pretensão que um dia venha a ter - ou volte a ter -, mas existe. Seria até bonito, se não fosse tão estranho! No mais, nem você, nem mais ninguém vai saber. Como se alguém se interessasse! De qualquer forma, aprendi com o tempo em que não soube entender esse amálgama que era eu e você, que esconder eu sei muito bem. Você sempre foi mais claro, embora não tenha sido o mais correto. Então escondo de você - que não quer e nem vai procurar - e de todo o resto o que mais não dá pra escrever aqui. Quando doer e transbordar como está acontecendo agora, talvez o diga. Mas vai demorar. Quem sabe até lá você desaconteça... Assim, tão bonito como me aconteceu!



"Um homem se consola mais ou menos das pessoas que perde, mas falto eu mesmo, e essa lacuna é tudo." [ Machado de Assis ]

remember me

sábado, 20 de março de 2010 às 21:47
era choro esse nó na garganta? esse arder nos olhos? esse sangue correndo...? sozinha, na sua cidade, no seu quarto, na sua cama. sozinha enfim, ratifico, ela se deixou apavorar. sabia de antemão que o pavor viria. a solidão é velho medo, mesmo que velha companheira. mas fingindo-se forte, máscara do dia-a-dia, enfrentou o fatídico dia de volta ao seu mundo. doeu, confessa. e dói cada segundo mais. são agulhas nos dedos, no ventre, passando pelas veias. não achou metáfora mais apropriada, mas agulha caía bem. pequenas pontadas era o que sentia. e essa coisa presa na garganta? que não passa, que não extravasa, só incomoda. podia permitir-se chorar, gritar, rir, o que for, estava só. essa é a vantagem ilusória do estar só: o poder. pode-se tudo. procurou o telefone, procurou o computador, procurou aquele livro biográfico, e encontrou todos. e não quis nenhum. essa tem sido sua vida: uma busca incessante por aquilo que ela não sabe se quer. uma fuga atroz de tudo aquilo que ela não quer mais ser. lembrou-se dele com desgosto. sabia que iria lembrar... esquecer é uma virtude. e a saudade é uma doença. dessas que a gente nasce e morre sem se curar. não sabia o que doía mais, que agulha entrava mais fundo: o medo da solidão ou a saudade dele. sem dúvida, ambos estavam relacionados. e esse nó, meu deus, que não passa. como faz? resolveu chorar então... mal não faz. quem sabe até liberte. chorou um pouco. choro contido de menina que esconde. o nó, pois, continuava. as agulhas ainda doíam por toda parte, pequenas pontadas de angústia. procurou escrever. oscar wilde acreditava na libertação pelas palavras, o discurso como catarse. não, escrever não a absolveu. escrever é autrocrítica demais e ela já estava cheia das suas próprias acusações. pegou a mochila botou um casaco, sua carteira, uma caneta e um caderno e foi pra rodoviária. voltou pro lar materno. pro quarto familiar, pra casa cheia de gente, pro latido no quintal. voltou pro vento da lagoa, pra cama cheirosa, pra comida quente. o pavor passou, mas o nó? o nó continua. junto com as agulhas. amanhã, quem sabe, amanhã ela volta.



"Sofrer é pouco ao amor. As lágrimas nunca serão fartas como a saliva. A saliva é a lágrima da alegria." [ Fabrício Carpinejar ]

eu mesma silencio

quarta-feira, 17 de março de 2010 às 01:30
um dia, eu cheguei a conclusão de que inventei você. essa coisa de sorriso bonito, de cheiro gostoso, de carinhos incomensuráveis. cheguei a cruel conclusão de que inventei junto com você comparações do tipo que você sempre ganhava. sua voz sendo a mais doce, suas cartas como as mais românticas, até o comum do seu beijo sendo o melhor de todos que já provei. e se eram mesmo ou não, se eram comparações exageradas ou não, percepções distorcidas talvez, eu nunca vou saber. porque minha mais nova conclusão é de que eu fiquei louca. esses dias eu vi no sofá da sala a gente rindo escondido de uma piada que era só nossa. e ouvi meus pais abrindo a porta e mandando a gente dormir. e a gente desmanchando sorrisos porque não queríamos dormir, queríamos ficar ali, juntinhos, abraçados, no calor do reencontro. e quando eu passei pela cozinha, eu vi os gritos da nossa briga, não sei qual, alguma das muitas que nós tivemos, a culpa era minha provavelmente, e eu chorava como sempre fazia e você me abraçava depois, mesmo com raiva. passei para varanda, onde a rede estava estendida e lembrei do casulo das nossas pós-brigas, onde íamos nos reatar depois das grandes discussões, choros e palavrões. e como houveram discussões, choros e palavrões! mais até do que reconciliações. e de todas as coisas que inventei durante todo esse tempo, a única de que não fui capaz foi a conciliação. as que houveram, eram travestidas de perdão e sede, mas na verdade eram meras ataduras para machucados que nunca se fecharam. e até mesmo o desamor, grande objetivo meu, busca de todos os erros e mentiras, até mesmo esse subterfúgio me fugiu. não inventei. não pude inventar. não cabia no meu teatro. esse presente não vai ser seu. estranho pensar que quem ama tanto, se sente tão aterrorizada com determinadas proporções que deseja o desamor. é estranho e ilógico. não precisa haver explicações para a busca. a única coisa que precisa ser explicada, SEMPRE, é a mentira. dias desses, conclui: você foi uma mentira. e, dessa vez, você não está aqui para exigir mais a verdade. não está aqui pra se tornar uma verdade. então que não seja.



"Tenho uma vontade besta de voltar, às vezes. Mas é uma vontade semelhante à de não ter crescido" [ Caio F. Abreu ]

absinto

quarta-feira, 3 de março de 2010 às 22:57
(...) e eu corri assim, sabe, como o diabo foge da cruz, corri e corri, caí, levantei, continuei correndo, ferida no joelho e no coração, aí ouvi no caminho, num botequim qualquer alguém cantando num videokê desses, aquela música, como se chama mesmo, aquela, ai me falha a memória, é do cartola, sabe, diz lá lá lá amor, presta atenção o mundo é um moinho e não sei o quê não sei o quê lá mesquinhos, vai reduzir tuas ilusões a pó, ai que bonita que é, aí parei, sabe, não tem como continuar depois disso, parei e fiquei ouvindo, a voz era rouca, mas caía bem pra noite que era e pra música que era, essas músicas que a gente ouve desde criança, mas só entende mesmo, mas mesmo mesmo, depois de grande, só quando a gente realmente percebe que o mundo é um moinho e que o mundo, vê só, o mundo é toda gente, o mundo são essas pessoas aí, todas elas, as que somem e desaparecem, as que ficam sem permissão, as que vão enxotadas, isso que é mundo, entende, e todo o resto não precisa ter nome porque é resto, todo resto a gente não precisa nem denominar, existe pra complementar, ou foi inventado por alguém muito poderoso, ou foi a gente próprio que inventou pra fingir que é feliz, entende isso cara, é tudo invenção, já dizia algum homem muito do estudado, quem, não sei quem não, um desses que chamam de filósofo só pra ter o que chamar e não ficar na categoria do resto, eu não me importo de ser resto de vez em quando não, mas tem vezes que dá uma puta vontade de ser do mundo, mas isso de ser triturado dá um desânimo, aí eu desisto e fico no meio, dizem por aí que é mesquinho estar no meio, em cima do muro, ser mediano, medíocre, dizem né, eu não sei, eu acho bom não ser um nem outro, acho bom não ser nada muito do certo, vai ver que falam mal porque ninguém tem coragem de não ser nada que tem que ser, ou não né, eu não sei de muita coisa pra falar com propriedade, dessas que só os filósofos dizem ter, mas sei que entre ficar e encarar eu prefiro correr. e cara, vou te contar, corro pra caralho, caio né, já te falei, caio e me machuco, finjo não me envergonhar, mas levanto e continuo, trôpega e faminta, mas vou lá, e vou correndo, corro até, sei lá, vou correndo, sabe (...)



"(...)tenho essencialmente o espírito de Euclides: terrestre. De que serve querer resolver o que não é deste mundo?" [ Fiódor Dostoiévski ]

o contrário

sábado, 20 de fevereiro de 2010 às 15:51
estava decidida: iria esquecer. não era uma resolução de ano novo, um objetivo de fim de tarde, era uma decisão pra toda vida. quem sabe para essas e para muitas outras que virão! a não ser que volte barata, gregor samsa de outros milênios, aí não seria uma deliberação útil. mas enquanto gente, humana errante e decidida, verme transvestido, iria esquecer. decididamente. de imediato, se possível. e sem essa de que é impossível abusar do tempo em questões de memória. impossível e sempre são palavras tão utópicas pra ela como choro de alegria. e como boa viajante, acreditava piamente em choro de alegria. acreditava, veja só, nas coisas utópicas mais do que nas possíveis. amor, por exemplo. quem acredita no amor depois que ele acaba? ela, pois, acreditava mais no desamor e na beleza que ele tinha. se por ventura possuísse alguma. mas voltando a sua decisão matinal, abriu um dos muitos livros da sua estante para começar a tarefa do esquecimento forçado. e rubem fonseca dizia "no meio da sala, entre o sofá vermelho e a escrivaninha desbotada, ela deu a sua cara à tapa, literalmente.". não, não, sem a acidez do nosso fonseca. que tal a doçura do caio em 'onde andará dulce veiga?': "no meu ouvido, pedro repetia que não podíamos fugir daquilo, que estávamos predestinados, que fora um encontro mágico, que precisava de mim para não morrer de solidão, abandono e tristeza.". ai, ai, ai. tudo lembrava o que passou. o que ela teimava relutantemente em esquecer. largou os livros. eles, de alguma forma escarnecedora, iriam lhe contar coisas da sua própria vida. e ela queria deixar pra trás não sua vida, não seus erros, mas seus desencontros. pegou suas coisas, roupas, papéis, canetas, escova de dente e o óculos de sol e foi embora. é assim que se esquece? fugindo? custa nada tentar...

espera voltar pra saber se realmente sua memória lhe traiu. até lá!

eu só repito

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010 às 15:59
Hoje tudo que eu queria dizer está aqui:


Escritos de Gaveta


Um beijo imenso a minha querida Anna Luiza por escrever tão bem ! Acho que nossa lua está no mesmo quadrante.

carnaval de dissabores

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010 às 17:04
No primeiro dia do ano, ela quebrou o espelho. Partiu-se ao meio. Descrente, recusou todos os presságios de azar que as pessoas a sua volta lhe ofereciam. Até que sofreu um acidente de carro, sem muitos ferimentos. Seu cachorro morreu. Sua avó se mudou. Sua melhor amiga se casou. Perdeu o emprego. Engordou 7 quilos. Sua gastrite piorou. Tudo que ela não queria imaginar aconteceu. Menos uma coisa: ele. Ele estava ali, ao seu lado. Amável e carinhoso. Com um prato de flores para em seu peito florir. Fazia planos e mostrava amor. Muito amor. Embora, da mesma maneira, nunca de muitas. Apegou-se a ele de forma peremptória. Era seu cais. Era o sinal mais claro que o azar do espelho partido não era uma verdade. Pelo menos não absoluta. Era a esperança de que as outras coisas voltassem, ou que coisas novas chegassem. Era o signo do desejo. Até que ele se foi. Virou-se as costas sem mais nem menos. Sem razão. Sem por quê. Disse estar de saco cheio de erros que, vistos a grandes olhos, também eram dele. Foi-se. E levou com ele todo o ceticismo da menina. Ela acreditou: sim, o espelho dá 7 anos de azar. E agora, dois meses depois, a menina pensa: "Ainda faltam 6 anos e 10 meses para ser feliz."

E a menina espera. Quem sabe ele volte... Daqui há 6 anos e 10 meses, quiçá. Ela esperará. Tão errada como nunca. Como sempre.

refazendo

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010 às 23:34
Despertou-se de súbito. O sol na cara. A poltrona desconfortável. A estrada esburacada que fazia o ônibus tremer. Nada disso o acordara. Era o cheiro. Sim, era o cheiro. O cheiro dela. Todas as vezes que ele viajava ao seu encontro, em algum momento antes da chegada, em algum ponto que não sabia qual, em alguns poucos quilômetros de proximidade, ele sentia, de forma inefável, o cheiro dela.

O cheiro. Era um cheiro bom. Ele sorriu. Sem nem perceber, sem nem se dar conta do despropósito que é sorrir para um cheiro. Começou a mexer a cabeça como quem segue um cheiro invisível por natureza, mas não precisou. O cheiro estava ali. Por todo o ambiente. Olhou para os lados para ver se os outros, meros passageiros, também o sentiam. Estavam dormindo. E os que estavam despertos, olhavam em volta a procura do ponto certo.

Mas ele tinha o cheiro por perto. E era aquela mistura gostosa da pele dela com o cheiro do cabelo. Aquele doce amálgama de quando ela saía do banho: a pele fresquinha junto com o aroma do xampu que ela usava. Não sabia porque, mas os cremes ficavam muito mais cheirosos quando vinham do cabelo dela.

Fechou os olhos e ficou lembrando das muitas tardes em que ela desfilou reinante com seu cheiro de menina. Menina que não precisa de perfume. Menina que tem como essência seu próprio cheiro. A menina que, sem querer, tinha o elixir que o fascinava. Jean-Baptiste Grenouille, sem dúvida alguma, percorreria céus e terra atrás desse fascínio.

Lembrou-se, com júbilo e saudade - mais júbilo que saudade -, dos banhos compartilhados. Do toque secreto e sereno das mãos que queriam perfumar. De quando ela penteava os cabelos, jogando água pelos cantos, cantarolando alguma música com desafino.

Ele percebeu, contudo, com saudade e tristeza - com igual saudade e tristeza - que não estava indo visitá-la. Que não estava sequer próximo à sua casa. Que o ponto final não era sua rodoviária onde ela estaria a sua espera com algum presente escondido na mochila, sempre pesada.

E foi assim que o cheiro dela chegou, assim meio sem aviso, pra dizer que não adianta fugir. Ela estaria sempre ali. Esperando por ele.

- Cheiro é uma coisa muito doida, né?



"(...)e ao mesmo tempo, inesperadamente, depois de mais de vinte e quatro horas sem pensar nisso, e só agora percebia que, durante todo esse tempo, não fizera outra coisa senão permanecer consciente do estar inconsciente dele no meu pensamento(...)" [ Onde andará Dulce Veiga? ]

( )

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010 às 02:02
eu só queria dizer, pra você ou pra qualquer outro que queira me ouvir, que hoje eu não tenho palavras. não por fraqueza. não por loucura. não há por quê.

e mesmo que haja espaço, tempo, pressa, fome ou qualquer outra coisa acerba, não há mais palavra. uma só pra ser dita. nem ouvida. nem escrita. nem pensada.

amanhã é outro dia.

inferno

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010 às 19:13
Acordei no meio da madrugada. Assustada. Presa na cama, sentia algo que me impedia de se mover. O peso. O peso das palavras. Como doía! Não só o coração retalhado, mas a cabeça, os pés, os dedos, as costas, a barriga. Chego a ouvir o barulho do estômago se revirando da comida que não entra mais. Respirei fundo. Seria fraqueza toda essa imobilidade? As palavras dele não deveriam ter tanto impacto. E não vou jamais confessar que tiveram! Não enquanto acabar esse texto. E se me perguntar, claro que não perguntará, direi rindo com um sarcasmo fingido "Eu não acredito em você!". Mentira, eu acredito. Em todas as palavras que ele gritou. Gritou! É insano o poder que as palavras tem de construir e destruir o que está a sua volta. Hitler conseguiu dominar um país inteiro através das palavras. E destruiu. Ele conseguiu me destruir como pessoa, como ser humano só... com as palavras. Deveria haver um botão de mute no telefone pra caso alguém começasse a dizer coisas que você não quer ouvir. Deveria haver alguma válvula de escape para à noite se poder dormir sem ficar vozes na sua cabeça dizendo tudo aquilo que você nunca quis ser. Deveria ser um pressuposto incontestável do amor nunca ferir. Pelo menos não o ferir grosseiro. O ferir do destrato. Shakespeare deveria ter escrito, se é que não escreveu, que amor é algo como um carinho incomensurável e platônico. Sem necessidade de equivalência e mutualidade. Sem pretensão egocêntrica. Simplesmente sem pretensões. Evitaria, quem sabe, o meu erro impetuoso de te ligar pra dizer coisas sem importância depois da sujeira que foi viver sem você. Não me arrependo dos fiascos que me meti. Todos eles serviram para me mostrar quem eu sou ou, no mínimo, quem eu não quero jamais ser. Isso tudo não adianta muito. Palavras minhas não te servem. Você não as escuta, muito menos as lê. Falo porque sou teimosa. Escrevo porque não sou leve. Mas você sabe fugir. E eu sei me lambuzar com a sujeira dos meus erros pífios. Sua fuga, meu desconsolo. E estamos bem assim.

Boa noite.



É, Dostoievski, você tem razão. O inferno é mesmo o sofrimento de não poder amar.

a dor é toda minha

terça-feira, 26 de janeiro de 2010 às 23:58
A única coisa que ela não poderia ter feito naquele momento era chorar. Chorou, pois. Um choro compulsivo o da menina. Espantado, ele se levantou, segurou seus ombros e disse "O que houve? O que eu fiz de errado?". Não fez. Não fez absolutamente nada de errado e era aquela situação extremamente perfeita que a assustou. Era pavor nos olhos da menina. Ao mesmo tempo, ela parecia entender...

Soluçava. Ele trouxe um copo d'água e parou de indagá-la. Chegaria um momento que ela diria. Que confessaria o porquê do choro inesperado no momento preparado especialmente para fazê-la sorrir. A menina sentiu um arrepio que não era medo, sentiu o dissabor da descoberta de quem há muito desistiu de se perguntar. Fitou os olhos, esses sim cheios de medo, de quem estava na sua frente segurando um copo já vazio. A menina voltou a chorar. Já era tarde.

Abriu os olhos úmidos. Viu os girassóis. Ah, os girassóis... Um dia dissera que era sua flor preferida. Apesar de que toda flor a encantava, independente do tipo. Mas os girassóis, amarelos que só eles, a faziam sorrir. Não a fizeram. Haviam muitos deles pelo quarto. Ele não se contentou com uma flor. Ela merecia mais. Muitos e muitos e muitos. A menina nunca tinha ganhado girassóis, nem flor alguma. Era importante aquele monte de flores com cheiro bom. Deveria ser.

Não eram só os girassóis que eram pra ela. Ele fez uma música. Uma letra linda que falava de anjo, beleza e sorriso. Era pra ela. E o violão estava ali do lado da cadeira para fazê-la lembrar da voz mansa dele cantando. A menina se deleitou com sua canção. Primeira canção feita somente pra ela. Nunca quis uma música, mas não pode esconder tamanha surpresa deleitante em ganhar uma. Tinha esquecido a letra.

Ele a puxou pra perto oferecendo pro choro estouvado, o ombro. Ela recusou. E olhou pra baixo para não ter que ver os olhos que perscrutam. Qual era o erro daquela noite? A menina ainda podia escutar o "Eu te amo" dele ecoando pelas paredes e pela fragilidade do seus ossos. Foi um lindo eu-te-amo acompanhado de um monte de palavra goethiana que, por si só, a encantariam. O encanto não se perdeu. O encanto simplesmente não apareceu.

E tudo que ela sempre quis eram flores, declarações de amor e um beijo doce. E havia ali, mais do que ela sempre quis. Qual era, então, o motivo do choro da menina na noite sem estrelas? Na noite feita para que ela brilhasse? A menina, fosca, sabia bem que a noite não era sua. E que o perfume dos girassóis também não vinha dela. A menina queria que ele entendesse que o problema é que o amor não era dele. Eram olhos de quem esperava amor, muito amor, os dele. Mas ela não tinha.

Todo seu amor, por mais que ela guardasse e escondesse, era de quem se foi. E foi. E não volta.

Não disse nada a menina. Seu pranto já era sua perdição.



"chegou-se a discutir qual a metade mais bela. nenhuma das duas era totalmente bela. carecia optar. cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." [ carlos drummond de andrade ]

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