... e fez do som da tua risada um hino

quinta-feira, 23 de abril de 2009 às 12:45
Ela nunca esquecerá da sensação de chegar àquela terra distante. Eram horas de viagem, no escuro da noite, no frio da madrugada, os ponteiros do relógio pareciam se mover tão devagar... Ela tentava abrir um livro, fazer um sudoku, mas a impaciência só a fazia fitar as horas. Houve vezes que passou madrugadas na rodoviária, ficava as 12 horas sem comer, porque o dinheiro não era proporcional à vontade, ao sonho, ao desejo. Mas sabia que, assim que chegasse, teria uma comida quente, um abraço apertado e o cheiro inconfundível dos cabelos recém-arrumados. E que no meio daquela cidade bem grande, que nunca conhecera ou que pouco conhecera, estaria alguém esperando por ela. Não teria rosas nas mãos, um sorvete de charge, nem um anel bonito no bolso, mas teria o sorriso pela qual ela se jogou no mundo para ter. O sorriso que fez chorar pai e mãe. O sorriso que era seu alento. E ao ver a placa da cidade se aproximando, ela penteava os cabelos, passava perfume, disfarçava as olheiras da noite vigilante e esperava. Ah, como valia a pena a vida quando se larga tudo por alguns dias, poucos dias, para se viver o inexplicável. E ela temia a volta com tanto ardor. Mas esquecia-se dela para que o sorriso que a esperava não fosse efêmero. Que fosse todo dela. Que fosse só pra ela. Como era longa essa espera! E como era catártico o encontro! Não importa se as palavras são duras, nem se os dias são poucos, se a volta é um castigo, era ali o clímax da sua tragédia: a chegada.


"Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir. Voltar, depois, quase impossível." [ Caio Fernando Abreu ]

Encanto meu, mistério teu

sexta-feira, 10 de abril de 2009 às 15:52
me senti invandida pela sede tua, pelo suor teu, pela volúpia tua que era também minha volúpia. e o tempo não era mais medido pelas horas e sim pelas respirações, ora calmas ora ofegantes, o que fazia o tempo se tornar algo absolutamente indefinido. e as cores eram só branco e preto. a ausência de cor com a presença de todas as cores formando uma dubiedade só daquele instante. que eram muitos instantes num só momento. que, por sua vez, eram muitos momentos de uma só vida. era ali a gênese e a morte. numa confusão de extremos perfeitamente compreensíveis. o vento que acariciava as cortinas vinha para nos fazer sentir o calor nosso. o calor de um com o calor do outro. o calor mútuo fazendo o vento se sentir indesejado. e era bonito de se ver aquela vergonha no rubor das faces, embora nenhum de nós pudesse realmente ver. era a penumbra fazendo tudo preto, branco e mistério. eram os olhos teus que eu buscava para sorver alguma explicação daquele momento. tu não querias explicar, não era a explicação o parodoxo de nada para se encaixar naquele momento, o momento das antíteses extremas, dos extremos antitéticos. era o tempo chegando com a luz do dia. era a vida deixando de ser momento, de ser instante, de ser irreal. era o vento das palavras que vinham. e o que virá, só tu sabes. só tu queres.


“Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas.” [ Caio Fernando Abreu ]

É a vida, mais que a morte, a que não tem limites

terça-feira, 7 de abril de 2009 às 19:28
A menina sempre ía ao teatro sozinha. Não tinha amigos na cidade nova. E os que tinha, preferiam um bar, um cinema, ou um motel. Ela não. Ela preferia o teatro. E estar sozinha, ali, naquele banco desconfortável, olhando para o pano vinho que escondia algo de muito bonito, era feérico demais para ela. Se arrepiava. Sempre.

A peça era sobre uma história de amor. Havia tempo que não se passavam peças falando de amor nessa cidade tão grande que ela invandia. Pensava que o romantismo estava fora de moda não só na vida, como também na arte. Sentiu um júbilo imenso. Como era lindo cada gesto apaixonado daqueles personagens! Ele lutando por ela. Ela lutando pela vida. Os dois com medo. Os dois se entregando. Os dois em um só.

As cortinas fecharam. Ela escondeu o choro. Mas viu que era desnecessário, já que não haviam muitas pessoas por perto. É, era verdade, as pessoas não gostam mais de histórias de amor. A menina se perguntava por quê. E chegou a conclusão particular de que o amor estava distante demais para se tornar realidade. Apesar de todos procurarem a arte como fuga da realidade, no fundo procuramos mais pela identificação por algo que não seja só nosso. E o amor já não era mais universal. Era para os poucos. Eram para os que se encontravam.

E a menina resolveu, numa idéia lancinante, que iria viver a história do teatro. Era uma idéia maluca, ela mesmo admitia. Viver uma história já contada, já escrita, já vivida, já interpretada? Ela estava cansada de sua própria história. Essa história sem platéia, sem leitores, sem cores. Aquela história, sim, era dela. Não mais dos outros. E viveria. "Vou viver.", pensou categórica.

A menina nunca mais foi ao teatro. O teatro era sua própria vida. Nunca conseguiu viver a peça que queria. Mas amou. Amou tantos e muitos. Com ardor e zelo. Ah, essa menina e sua busca pela história de amor! Esquecendo da sua história de vida, doou-se tanto que viveu para os outros, para as peças alheias. Procurou tanto a arte no que vivia. Não achou o amor a menina. Não achou o seu final feliz. Mas sua vida era aplaudida de pé. Por ser a história que todo mundo vive. A história da busca.


"Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. Carecia optar. Cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." [ Carlos Drummond de Andrade ]

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