estrela, flor, estilo

quarta-feira, 31 de março de 2010 às 19:36
Eu bem que estava evitando escrever. Porque invariavelmente sairia coisas sobre você. Como sempre foi. E sabem lá os deuses se assim sempre será! Mas de alguma forma, muito genuína, pouco angustiante, não posso te evitar. Nem você como pessoa, nem você como assunto. Tá certo que ignoro, contra minha vontade, todos os seus resquícios. Não procuro o que você escreve. É difícil, sabe. Um autrocontrole sem igual! Não sei mais da sua vida, nem da sua barba, nem dos seus planos, das bandas novas que você anda ouvindo e recomendando - essa sua mania egocêntrica de sempre recomendar como se todo mundo fosse seguir o que você diz -. Nem os ventos de notícias, que sopravam de longe, chegam mais por aqui. Confesso: todo dia, em algum silêncio súbito, me vem uma curiosidade imensa de saber como você está. Mas aí faço um discurso mental de que não posso, não devo e só vou me magoar. Funciona! Ai esse negócio do autrocontrole, quem foi que inventou isso? Ajuda pra caramba! Mas aí não falar de você, não dá. Já que não falo pros outros - aqui e ali ainda menciono algo - tenho que escrever, me permita, vai. Meu processo de catarse diário, a escrita, abandonado só porque você, não me quis mais como seu assunto! Não! Não faz sentido! Não há censura - aliás, não há nada mais de você - então continuo. Palavra por palavra. Agora, mais do que nunca, sem sentido algum. Fazendo quem lê me achar até um pouco repetitiva. É que depois que você aconteceu, nada mais aconteceu. E não sou tão criativa para mudar de assunto, nem de vida. Muito menos de história. Nem a fonte eu sei mudar! Bom, mas aqui estou. Escrevendo. Mais enrolando que escrevendo. É que eu queria, no fundo, dizer coisas que você não deveria ouvir. Ahh, mas eu sei que você não vai ouvir, porque seu autocontrole sempre foi maior que o meu - e se já tenho algum, você deve estar muito à frente -, então: me libertei. Vou dizer: tenho um carinho bobo, especial e doído por você. De verdade. Se prometer adiantasse, eu prometia. E considerando toda a água que rolou, todas as coisas que vieram, fizeram o maior estrago e já se foram, ainda assim, veja que insanidade!, ainda assim: existe carinho. Não é recíproco e longe de mim ter alguma pretensão que um dia venha a ter - ou volte a ter -, mas existe. Seria até bonito, se não fosse tão estranho! No mais, nem você, nem mais ninguém vai saber. Como se alguém se interessasse! De qualquer forma, aprendi com o tempo em que não soube entender esse amálgama que era eu e você, que esconder eu sei muito bem. Você sempre foi mais claro, embora não tenha sido o mais correto. Então escondo de você - que não quer e nem vai procurar - e de todo o resto o que mais não dá pra escrever aqui. Quando doer e transbordar como está acontecendo agora, talvez o diga. Mas vai demorar. Quem sabe até lá você desaconteça... Assim, tão bonito como me aconteceu!



"Um homem se consola mais ou menos das pessoas que perde, mas falto eu mesmo, e essa lacuna é tudo." [ Machado de Assis ]

remember me

sábado, 20 de março de 2010 às 21:47
era choro esse nó na garganta? esse arder nos olhos? esse sangue correndo...? sozinha, na sua cidade, no seu quarto, na sua cama. sozinha enfim, ratifico, ela se deixou apavorar. sabia de antemão que o pavor viria. a solidão é velho medo, mesmo que velha companheira. mas fingindo-se forte, máscara do dia-a-dia, enfrentou o fatídico dia de volta ao seu mundo. doeu, confessa. e dói cada segundo mais. são agulhas nos dedos, no ventre, passando pelas veias. não achou metáfora mais apropriada, mas agulha caía bem. pequenas pontadas era o que sentia. e essa coisa presa na garganta? que não passa, que não extravasa, só incomoda. podia permitir-se chorar, gritar, rir, o que for, estava só. essa é a vantagem ilusória do estar só: o poder. pode-se tudo. procurou o telefone, procurou o computador, procurou aquele livro biográfico, e encontrou todos. e não quis nenhum. essa tem sido sua vida: uma busca incessante por aquilo que ela não sabe se quer. uma fuga atroz de tudo aquilo que ela não quer mais ser. lembrou-se dele com desgosto. sabia que iria lembrar... esquecer é uma virtude. e a saudade é uma doença. dessas que a gente nasce e morre sem se curar. não sabia o que doía mais, que agulha entrava mais fundo: o medo da solidão ou a saudade dele. sem dúvida, ambos estavam relacionados. e esse nó, meu deus, que não passa. como faz? resolveu chorar então... mal não faz. quem sabe até liberte. chorou um pouco. choro contido de menina que esconde. o nó, pois, continuava. as agulhas ainda doíam por toda parte, pequenas pontadas de angústia. procurou escrever. oscar wilde acreditava na libertação pelas palavras, o discurso como catarse. não, escrever não a absolveu. escrever é autrocrítica demais e ela já estava cheia das suas próprias acusações. pegou a mochila botou um casaco, sua carteira, uma caneta e um caderno e foi pra rodoviária. voltou pro lar materno. pro quarto familiar, pra casa cheia de gente, pro latido no quintal. voltou pro vento da lagoa, pra cama cheirosa, pra comida quente. o pavor passou, mas o nó? o nó continua. junto com as agulhas. amanhã, quem sabe, amanhã ela volta.



"Sofrer é pouco ao amor. As lágrimas nunca serão fartas como a saliva. A saliva é a lágrima da alegria." [ Fabrício Carpinejar ]

eu mesma silencio

quarta-feira, 17 de março de 2010 às 01:30
um dia, eu cheguei a conclusão de que inventei você. essa coisa de sorriso bonito, de cheiro gostoso, de carinhos incomensuráveis. cheguei a cruel conclusão de que inventei junto com você comparações do tipo que você sempre ganhava. sua voz sendo a mais doce, suas cartas como as mais românticas, até o comum do seu beijo sendo o melhor de todos que já provei. e se eram mesmo ou não, se eram comparações exageradas ou não, percepções distorcidas talvez, eu nunca vou saber. porque minha mais nova conclusão é de que eu fiquei louca. esses dias eu vi no sofá da sala a gente rindo escondido de uma piada que era só nossa. e ouvi meus pais abrindo a porta e mandando a gente dormir. e a gente desmanchando sorrisos porque não queríamos dormir, queríamos ficar ali, juntinhos, abraçados, no calor do reencontro. e quando eu passei pela cozinha, eu vi os gritos da nossa briga, não sei qual, alguma das muitas que nós tivemos, a culpa era minha provavelmente, e eu chorava como sempre fazia e você me abraçava depois, mesmo com raiva. passei para varanda, onde a rede estava estendida e lembrei do casulo das nossas pós-brigas, onde íamos nos reatar depois das grandes discussões, choros e palavrões. e como houveram discussões, choros e palavrões! mais até do que reconciliações. e de todas as coisas que inventei durante todo esse tempo, a única de que não fui capaz foi a conciliação. as que houveram, eram travestidas de perdão e sede, mas na verdade eram meras ataduras para machucados que nunca se fecharam. e até mesmo o desamor, grande objetivo meu, busca de todos os erros e mentiras, até mesmo esse subterfúgio me fugiu. não inventei. não pude inventar. não cabia no meu teatro. esse presente não vai ser seu. estranho pensar que quem ama tanto, se sente tão aterrorizada com determinadas proporções que deseja o desamor. é estranho e ilógico. não precisa haver explicações para a busca. a única coisa que precisa ser explicada, SEMPRE, é a mentira. dias desses, conclui: você foi uma mentira. e, dessa vez, você não está aqui para exigir mais a verdade. não está aqui pra se tornar uma verdade. então que não seja.



"Tenho uma vontade besta de voltar, às vezes. Mas é uma vontade semelhante à de não ter crescido" [ Caio F. Abreu ]

absinto

quarta-feira, 3 de março de 2010 às 22:57
(...) e eu corri assim, sabe, como o diabo foge da cruz, corri e corri, caí, levantei, continuei correndo, ferida no joelho e no coração, aí ouvi no caminho, num botequim qualquer alguém cantando num videokê desses, aquela música, como se chama mesmo, aquela, ai me falha a memória, é do cartola, sabe, diz lá lá lá amor, presta atenção o mundo é um moinho e não sei o quê não sei o quê lá mesquinhos, vai reduzir tuas ilusões a pó, ai que bonita que é, aí parei, sabe, não tem como continuar depois disso, parei e fiquei ouvindo, a voz era rouca, mas caía bem pra noite que era e pra música que era, essas músicas que a gente ouve desde criança, mas só entende mesmo, mas mesmo mesmo, depois de grande, só quando a gente realmente percebe que o mundo é um moinho e que o mundo, vê só, o mundo é toda gente, o mundo são essas pessoas aí, todas elas, as que somem e desaparecem, as que ficam sem permissão, as que vão enxotadas, isso que é mundo, entende, e todo o resto não precisa ter nome porque é resto, todo resto a gente não precisa nem denominar, existe pra complementar, ou foi inventado por alguém muito poderoso, ou foi a gente próprio que inventou pra fingir que é feliz, entende isso cara, é tudo invenção, já dizia algum homem muito do estudado, quem, não sei quem não, um desses que chamam de filósofo só pra ter o que chamar e não ficar na categoria do resto, eu não me importo de ser resto de vez em quando não, mas tem vezes que dá uma puta vontade de ser do mundo, mas isso de ser triturado dá um desânimo, aí eu desisto e fico no meio, dizem por aí que é mesquinho estar no meio, em cima do muro, ser mediano, medíocre, dizem né, eu não sei, eu acho bom não ser um nem outro, acho bom não ser nada muito do certo, vai ver que falam mal porque ninguém tem coragem de não ser nada que tem que ser, ou não né, eu não sei de muita coisa pra falar com propriedade, dessas que só os filósofos dizem ter, mas sei que entre ficar e encarar eu prefiro correr. e cara, vou te contar, corro pra caralho, caio né, já te falei, caio e me machuco, finjo não me envergonhar, mas levanto e continuo, trôpega e faminta, mas vou lá, e vou correndo, corro até, sei lá, vou correndo, sabe (...)



"(...)tenho essencialmente o espírito de Euclides: terrestre. De que serve querer resolver o que não é deste mundo?" [ Fiódor Dostoiévski ]

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