boa noite

domingo, 29 de novembro de 2009 às 14:26
Era madrugada. Eu estava no carro, esperando ele se despedir das pessoas para irmos embora. Eu não queria mais falar com ninguém. Só queria ir pra casa. Enquanto esperava, liguei o rádio. João Gilberto cantava "tá-fazendo-um-ano-e-meio-amor-que-o-nosso-lar-desmoronou". Ele entrou.

- Então acabou...
- Acabou.
- Já acabou tantas vezes.
- Essa é pra valer.
- Como você tem tanta certeza?
- Não tenho.

Ivan Lins começou assobiando "lembra-de-mim-dos-beijos-que-escrevi-nos-muros-a-giz".
- Sabe qual é o nosso problema?
- Nossos erros?
- Não! É o fato dos erros serem sempre os mesmos! Cansa, sabe. Um dia cansa. Perdoar sempre o mesmo deslize. A mesma pisada de bola. A mesma palavra mal dita, a mesma falta na hora errada. Cansa!
- É, você anda muito cansada ultimamente...
- Andamos. Os dois. Tá vendo? Esse seu erro antigo de sempre se eximir da culpa.
- E essa sua mania de achar sempre uma justificativa pra sua culpa, como se minha culpa fosse sempre pior.
- E é pior! Porque você nunca realmente se desculpa por ela.
- E você se desculpa demais. E não faz nada pra mudar.
- Mudar... Você não muda, você não vê? Mesmo erro toda vez. Você não se permite melhorar e ter erros novos. Toda relação precisa de erros novos! Eu quero erros novos! Perdoar os mesmos não tá dando mais.

Nesse momento cairia bem no rádio Vinicius de Moraes cantando "depois-perdeu-a-esperança-porque-o-perdão-também-cansa-de-perdoar", mas enquanto isso veio Moreno Veloso "eu-sou-melhor-que-você".

- Você exige demais da nossa relação.
- Não existe relação sem exigências. Nem as relações pós-modernas conseguem essa proeza.
- Eu tô cansado de ser comparado o tempo todo.
- E eu estou farta de ser subestimada.
- E a gente sempre tenta consertar tudo botando um band-aid e dizendo "vai passar" e seguindo em frente.
- Outro erro nosso.
- Seguir em frente?
- Achar que tudo pode ser consertado. Tem coisas que ficam quebradas e se curam sozinhas.
- Outras nunca se curam.

Botei o cinto de segurança. Um aviso. Zeca Baleiro cantava "ai-morena-viver-é-bom". Ele ligou o carro.

- Então acabou...
- Acabou.
- Tá com fome?
- Tô cansada.
- Então vamos.

"simples-e-suave-coisa-suave-coisa-nenhuma!" É. Acabou.

sobre não alcançar

sábado, 28 de novembro de 2009 às 08:11
Queria ser dessas que tem dinheiro para te comprar o presente ideal de Natal! Mas não sou. Ultimamente até estou pendurada no cheque especial. Até que surgiu a oportunidade do teu presente. Até porque você merece um presente. Me faz tão feliz...

O presente era simples. O tecido da camisa nem é muito bom, mas era o que meu dinheiro podia comprar. Escolhi o desenho mais fácil, pois estava começando a aprender, mas também o que você fosse mais gostar. Escolhi as cores que você gosta. E fiz. Tá, ficou borrado, um pouco tremido, meio torto. Mas não ficou um total desastre. Era o meu presente pra você.

E acho que presente ideal é assim mesmo. O que é feito por você desde o ínicio. Da compra da camisa, da escolha da cor e do desenho até o fazer ainda aprendiz. E me orgulhei disso. Ainda acho que você adoraria um perfume, mas vindo de mim, você gostaria dessa camisa manchada.

x

Queria ser dessas dramáticas de novela. Que rasga o presente e chora e maldiz a pessoa amada. Não rasguei. Chorar, até chorei. Mas deixei o presente lá, embrulhado, no fundo do armário. Vez ou outra vou dar uma olhada, sentir pena de tudo que aconteceu. Do desdém no "brincando de fazer alguma coisa...". No menosprezo do presente. Na insinuação da minha veleidade. E em todas as coisas que foram ditas e não apagam mais. Meu presente ideal subestimado antes mesmo de ser entregue. A recusa agora é minha.

Sabia que deveria ter comprado um perfume.

sobre o que é agradável

quarta-feira, 25 de novembro de 2009 às 10:53
uma quarta-feira de sossego. difícil de acontecer, sequer imaginar! olhei no relógio: 8 da manhã... eu estava acordada às 8 da manhã! assim sem motivo pra acordar. assim só por vontade. só pra não dizer que estava totalmente fora da minha rotina, fiz um café. enchi a xícara até o topo e pensei que ainda iria morrer disso: de tanto café. mas deixei pra lá... vinha uma brisa da varanda que lembrava vida, esse negócio de morte é filosofia demais para um dia tão sereno. vi a rede vazia sendo balançada pelo vento, como que me convidando. achei até que aquele momento dava uma poesia. como não sei fazer poesia, faço uma prosa. uma prosa muito informal e pouco poética. mas vai, é uma prosa... sem pretensões, por favor, hoje o dia permite. deitei na rede, acompanhada de um enxerido manhoso chamado cachorro. instalou-se entre minhas pernas, olhou pra mim como quem diz 'qual é? não vai empurrar não?'. mas é folgado, viu? e comecei a empurrar levemente a rede com um pedaço do pé. o ventinho vinha tranquilo e balançava o tecido leve do meu vestido. e eu olhei aquilo: xícara, cheiro de café, brisa, pelo fofo, balanço, vestido amarelo e... e... me surpreendi feliz. genuinamente feliz. sei que não é nenhuma fórmula da felicidade, mas eu estava, estava sim muito feliz. essas felicidades que você não se dá conta, que vem e vai muito rápido e só depois que passou, você percebe que era realmente felicidade. em toda sua fugacidade. e me deu um medo súbito de que aquela sensação gostosa autodenominada felicidade fosse embora. porque vai. sempre vai. e volta sabe se lá quando. foi aí que eu lembrei de você. não só das nossas tardes segredosas que fazíamos da rede um abrigo, mas simplesmente de você. de como a sua presença é sempre um indício de felicidade, de prazer, de júbilo. e não tive mais medo. pode ir embora, felicidade! pode ir se quiser. sei exatamente quando você vai voltar. e com quem vai voltar. e principalmente: que vai voltar. sabe, acho que felicidade é isso mesmo... a certeza louca daquilo que é incerto.



"(...) eu não tive tempo de dizer que quando a gente precisa que alguém fique a gente constrói qualquer coisa, até um castelo. até com a minha carne eu construía um cavalo branco para aquele príncipe." [ Caio Fernando Abreu ]

sobre o real

segunda-feira, 23 de novembro de 2009 às 19:43
Ela escolheu a camisa que ele usaria. Ele não usou. Ele elogiou seu novo vestido ainda guardado. Ela o usou. Ele critica sua mania de usar chinelos de borracha com qualquer roupa. Ela escolhe a cor do batom pensando se ele vai gostar.

Era a noite dele. Ele no palco, ela expectadora. Sozinha, mas atenta. Ela puxou uma cadeira o mais próximo possível do seu artista. Nunca confessou, nem bem confessaria, mas ela o queria ao seu lado, o queria como público, não como estrela.

Era ele a estrela daquela noite. E ela aceitou essa condição sem o menor esforço. Ela, que pouco brilhava, permitiu-se um orgulho materno. Mais: permitiu-se admirar sem qualquer euforia. Logo ela que era tão eufórica! Cruzou as pernas e deixou-se encantar.

Cantava ele com um prazer indescritível! E cada nota que tocava, mais bonito ele ficava... Como era lindo ! E ela não cansava de reparar: lindo! lindo! lindo! Ela o conhecia uma eternidade, mas nunca tinha achado ele tão lindo como naquele momento. Era música? Era amor.

O amor era tanto que se sentiu envergonhada por ter evitado aquele momento. Estava só, era verdade. E nenhuma circunstância a fazia gostar da solidão. Mas mais do que só, estava cativada. Estava inebriada por aquela música que só era música porque vinha dele. E não vinha pra ela. Mas ela fez sua. Secretamente.

A música acabou. E havia tantos adjetivos que ela guardou no cantinho da boca para dizer enquanto ele guardava os instrumentos. Ela não disse. Não pode dizer. Ele não ouviu. Não soube ouvir. Ela recusou a cerveja. Ele aceitou o jantar farto.

E eles foram embora. Com o não-dito escondido.


"Sim, afligia muito querer e não ter. Ou não querer e ter. Ou não querer e não ter. Ou querer e ter. Ou qualquer outra enfim dessas combinações entre os quereres e os teres de cada um, afligia tanto. "

meu lindo presente

quarta-feira, 18 de novembro de 2009 às 20:46
Porque nos encontramos sempre

Outra data, outro beijo em cortinas de lágrimas, refeita agora a sensação audível do estar encaixados em tardes quentes e pias frias. Encaixe pronto, pronta entrega, todo o suor exposto nas sobras de uma cama nossa. Refletidos, quatro de nós, um só corpo, entrelaçados entre esquadros de espelhos suspensos.
Essa data é nossa, sempre será nosso dia, segredo novo, experiência evoluída. Somos nós, ali no espelho, no box apertado, nas cartas mandadas ou não.
Somos retrato desenhado a anos, amarelo sorriso perdido e reencontrado em areias de lagoas de sal.
Nossa travessia, dura caminhada em pedras escaldantes. Nosso destino, banhos mornos fundindo corpos que se sugam.
Casa aberta, amor cumplice, abraços transcendentes, saltos de espamos, trovões que unem. Somo nós na mesma clara moldura eterna. Para Sempre.

"eu vou lhe dar um prato de flores e no seu ventre vou fazer o meu jardim. que vai florir..."



[ cadu carrasco ]

sobre sumir e não voltar

segunda-feira, 16 de novembro de 2009 às 16:56
A flor e o espinho
(Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha)

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor

Eu só errei quando juntei minh'alma à sua
O sol não pode viver perto da lua

É no espelho que eu vejo a minha mágoa
É minha dor e os meus olhos rasos d'água
Eu na tua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em seu amor

sobre atravessar

quarta-feira, 11 de novembro de 2009 às 19:39
é bonita essa sua maneira de ver a vida. de ver nosso futuro. mesmo sendo eu a que usa óculos, você sempre foi o que enxergou mais longe. eu não sei mais ser sonhadora depois que o pesadelo aconteceu. e você sempre dizendo "pesadelos existem, não nego, mas os sonhos tão aí também. veja os sonhos!". não vi. não vejo. mas vejo as cores. o roxo, o amarelo... vejo as suas marcas de catapora no rosto. tão lindas. sei de cor cada marquinha até mesmo quando estamos longe. lembro quando você dormia no meu colo e eu ficava olhando, olhando, olhando... e em cada encontro, eu olhava fundo e era bom saber que elas ainda estavam lá, suas marquinhas de catapora. era como se nada tivesse saído do lugar, tudo estava em perfeita ordem. é, suas marquinhas no rosto eram o equilíbrio do mundo pra mim. estranho, né? estranho, meu amor, é a gente se unir se desunindo. é saber que do outro lado você está pensando em mim, com tanta intensidade e clareza, sem eu poder ver, sem poder sentir. é, eu sei. sei da sua dedicação. me é cara e quista. mas não vejo. não sonho mais, como canta o chico. são meus os teus sonhos. compartilho todos. mas é tanta estrada torta que eu me vejo seguindo, que sonhar é ilusão demais pra quem já não é mais criança. mas como é bonita essa sua maneira de ver a vida! eu sei que é.



“- Estranho é o mundo, pai, que só se une se desunindo; erguida sobre acidentes, não há ordem que se sustente; não há mais espúrio que o mérito, e não fui eu que semeei esta semente.” [ Raduan Nassar ]

sobre defeitos

sábado, 7 de novembro de 2009 às 06:47
vou te contar: estou com uma saudade irracional de você. e confessar mesmo não confesso. talvez te ligasse bêbada no meio da noite boêmia, como já fiz tantas vezes e fui arduamente criticada. inconscientemente faria justamente por saber que você odeia minhas ligações ébrias. ainda mais quando tem barulho de vida do lado de cá. mas hen, ouça bem, eu ligaria e diria "sinto sua falta.", assim bem simples e pequeno, como tem sido minhas palavras pra você desde que descobri que a gente, sim, pode se acertar. e nos acertamos. e nos separamos. e nos xingamos. e nos maldizemos. mas nos acertamos. nos acertamos, né? pela incerteza, talvez mudasse meu discurso. procuraria 'amor' no celular - nunca mudei nem quando terminamos - discaria e diria "ei, como está? bêbada, eu? não, claro que não! não estou mentindo! na verdade, acho que estou um pouco sim... sabe que nem percebi? rsrs. mas então, não fica bravo, tá tarde eu sei, eu tô rouca, e falando torto, e o som tá realmente muito alto aqui do lado, mas ó... quê? não, não, estou com alguns amigos. quem? ah, os mesmos! me perder? espera, só queria te dizer que... não tá me ouvindo? gritar? mas eu tô sem voz! me dá uma chance de dizer que..." e acabaria o crédito porque você sabe que meus créditos são sempre pouco e eu enrolo demais pra chegar no objetivo final que seria "não estou mais perdida, eu me achei em você. e, de alguma maneira, você está em todos os lugares que eu vou. e quando você não está, eu te procuro incessantemente até te encontrar finalmente num copo de cerveja. sei que você não está aqui, e me dói demais esse aperto no peito que já passou de saudade pra necessidade, mas entenda, de alguma maneira você está! e não adianta eu querer me perder porque, eu já sei, eu me encontro sempre em você. mesmo que você não esteja aqui. e não está. vem, não me deixa desprotegida. vem... e vem depressa. porque daqui a pouco outro dia vai chegar e não sei mais quantos dias eu suporto sem seu cheiro. meu amor, minha devoção e meu carinho. todo pra você. beijos. tchau.". vou te contar: queria ser tão mais ousada...


'...às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios...' [ caio fernando abreu ]

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