Primeiro Encontro

sábado, 31 de janeiro de 2009 às 19:52
- Me conta um segredo! - disparou ela, bela e tirana, pondo suas pernas em cima das dele.
- Um segredo? - disse ele, pondo as mãos em cima das pernas dela como que aceitando tacitamente aquele enlace.
- É, um segredo!

Naquele momento, tocava Coldplay. "Look at the stars... look how they shine for you...", ela cantava baixinho, esperando uma confissão.

- Eu não sei. Diga-me você um. - ele coçou a cabeça, se sentindo desconfortável.
- Eu tenho medo de trovões. - ela fechou forte os olhos, mostrando uma vergonha genuína.

Ele riu. Riu alto e demorado. Olhou-a depois de um tempo. Ela estava séria.

- Não vou te contar mais segredos! - e ele pensou como era linda a maneira com que ela cerrava os lábios quando com raiva.
- Mas é que... Isso não é um segredo, vai. - ainda sorria ele.
- É o meu segredo, uai. - disse ela tirando as pernas e se distanciando. - E o seu, qual é?

Ela não sabia exatamente onde queria chegar. Ele sabia exatamente onde ela queria chegar. Ela abriu bem os olhos, perscrutando, anseando... "Don't you shiver..."

- Eu tenho alergia a coisas vermelhas. Maçã, caqui, biscoito de morango... Tudo me faz ficar com o olho muito inchado. - ele esperou que dessa vez ela risse, risse alto e demorado, mas ela não riu.
- E a batom?
- Batom vermelho? É, batom também. - agora ele não sabia mais onde ela queria chegar, se queria chegar em algum lugar.

"Tell me your secrets... and ask me your questions", Coldplay cantava. E ela também. Ele ficou nervoso com o aparente silêncio dela, com os lábios que só acompanhavam a música sem soltar nenhum som. Ela estava bem calma, parecendo alimentada pelo segredo alheio. Ela pôs as pernas novamente em cima dele e chegou bem próximo ao seu pescoço e disse:

- Só queria te conhecer melhor. - foi quase um sussurro
- Pedindo um segredo?
- Não há maneira melhor de conhecer alguém do que através dos seus segredos - dessa vez foi ela quem riu, mas riu um sorriso complacente.

Ele queria dizer que aqueles não eram bem segredos. Não disse. Sabia bem que ela diria filosoficamente que não eram mesmo, segredos nunca são revelados. Ele a conheceu hoje, mas já sabia bem o seu jeito.

Ela quis dizer que sabia o que ele tava pensando. Que nenhum deles disseram verdadeiramente um segredo. Quis dizer, também, que segredos de verdade não são nunca ditos, são descobertos. Mas não disse. Só continuou cantando: "... and i'll try to fix you."

De cada amor tu herdarás só o cinismo

terça-feira, 27 de janeiro de 2009 às 14:15
Ela põe a roupa mais bonita. Que, por coincidência, é a mais ousada. Vermelho-vivo. Pernas à mostra. Ela lembra do primeiro dia que vestiu. Íam no cinema. Mas acabaram mudando de planos e resolveram comer uma pizza por aí. Estava linda, se achava. Mas ele não disse nada. Nem olhou pra ela com um olhar mais demorado, como se costumam fazer. Não ele. Ela pôs novamente o vestido espantando essas lembranças. Estava linda! Pegou o batom vinho... Não, não, não é o seu estilo. É morena demais pra cores fortes na boca. Resolveu abdicar do batom. E de pulseiras, de brincos, e de sombras. Estava linda já. O vestido por si só já a encantava. Calçou sapatos pretos. Desses que a deixavam mais mulher. Fez caretas para o espelho. Sentindo-se atraída por sua própria sedução. Por que será que não percebeu, aquele dia, que ela estava tão linda só para ele? A partir de quando ela teria deixado de se tornar bonita pra ele? Não, não queria mais pensar. Nem nele, nem no antes. Afastou novamente qualquer pensamento. Ontem foi o dia da dor. Hoje é o dia do curativo. Quando será o dia da cicatrização? Passou um lápis preto em volta dos olhos, cada vez mais forte, para esconder os olhos pequenos de tanto chorar. Pegou a bolsa. Percebeu que não combinava com o vestido. Mas de que importa? Estava linda mesmo! Desceu a rua, acendeu o cigarro e sorveu a calma na boca sem pintura. O barulho do salto na calçada, a rua mal-iluminada e a fumaça do cigarro davam o ar de filme francês que ela achou que lhe cabia muito bem. O que estava pronta a fazer, também era bem cinema francês e ela deu uma risada estranha com o pensamento de que talvez sua dor não fosse curada como nunca são nos filmes franceses que já assistiu. No fundo, ela sabia que aquela noite não iria curar a sua dor. Que importa? Ela só queria subverter tudo aquilo que era. Ele mesmo não a chamou de tantos nomes, pouco franceses, mais almodovarianos? Não foi ele que a subverteu da sua maneira e a transformou numa criação só dele? Pois agora ela não era mais a mesma. Ela era a criação do momento. Chegou ao seu destino. Jogou o cigarro na calçada e pisou nele como se quisesse apagá-lo, mas ele já estava apagado. Foi só pra não perder o ar francês que ela queria na sua noite particular. Entrou sem bater, sem chamar. Não precisava. Sempre foi sua preferida. Ele sempre a amou. Ela nunca correspondeu. Seu amor, o mais profundo, não era dele. Era de... Que importa? Acendeu outro cigarro para de novo e de novo e de novo afastar esses pensamentos-fantasma. Ela não queria confundir os pronomes. E só pensou no ele que estava do outro lado da porta. Ele a esperava. Tinha certeza. Nunca aparecia, mas sabia que ele a esperava sempre. Ele ouviu sua risada francesa e foi recebê-la. Sem surpresa. Olhou-a pela superfície. Achou-a linda. Olhou-a por dentro. E achou-a triste. Sabia porque estava ali. Sabia que ela queria esquecer. Sabia que logo depois dos beijos, e dos gritos, e dos arranhões, ela choraria. Ele a puxou. Ela tirou os sapatos e foi se embalando no corpo dele com um sorriso perverso demais que ele jamais vira naquela sua alma infantil. Ela cheirava a cigarro. Ela tirou a roupa. Ele nunca a vira tirar a roupa sem ficar vermelha nas faces. Ela, francesa e obstinada, sussurou palavras cruéis a ele. Ele não entendeu. Mas acatou. Foi sua noite. Sua embriaguez. Despida e ousada. Felina e mulher. Não chorou depois. Não queria que as lágrimas manchassem o preto dos olhos, nem sujasse o vermelho do vestido. Menos vivo agora. Saiu dos braços indesejados, mas fartos e saiu pelo dia claro. Estava já tão claro, mas tão claro que seu ar francês desapareceu e ela se tornou ela mesma, com seu pouco glamour e muito drama. E foi sem o barulho dos sapatos pretos, sem a fumaça saindo da boca e sem o escuro da noite que ela se lembrou. Se lembrou de tudo que forçou a esquecer na sua noite de estrela. Que importa? Arrancou o curativo e mexeu na ferida. Ela não queria mais curar.

Madame

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009 às 10:47
Segura o choro, menina! Engole essas palavras, uma a uma, deixa passarem pela goela como espinhos e guarde-as como indigesta. Guarde-as bem fundo. Doem, sei que doem. Dói ainda mais por ser uma dor co-sentida. Não, menina. Não se parta ao meio. Que pedacinhos são esses que você está se dividindo? Que vermelho é esse nos olhos, que disforme é esse nas faces? Ô menina, que mundo é esse que você achou que vivia? Como pode acreditar nas palavras como verdades? Não existem mais coisas verdadeiras nesse mundo não, menina de Deus! E a mentira maior é a pretensão alheia de que acha que a sua mentira é a única verdadeira. Bobagem! A única verdade que resta, menina, ouça bem!, é que tudo mais virou mentira. Não chora! Pessoas são assim. Elas escondem. Elas não querem te ouvir, menina. Elas não querem te acolher, te proteger, te amar. Pessoas querem ser acolhidas, protegidas e amadas. Essa é a lei. Buscar aquilo que ninguém mais oferece. E se decepcionar sempre, eu digo menina, sempre, porque ninguém se doa de verdade. Não, não seja boba. Não acredite demais no real. A realidade de hoje é a grande mentira de amanhã. Pessoas mudam de opinião, de planos e de roupa. Essa é a lei, tá escutando? Presta atenção, menina! Não caia mais nos desenganos do amor. É perigoso, eu sei, a única mentira que sempre nos parece irrefutável é o amor. Mas é traiçoeiro, menina, traiçoeiro e volúvel. Hoje ele te ama, amanhã já... Não, não chore, menina. Olha pra frente. Hoje está noite e frio, mas amanhã... lembre-se, minha menina... amanhã é dia de sol. Entende? E não, não deite no meu colo. Hoje a dor é sua.

"Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis." [ caio fernando abreu ]

Prefácio

sábado, 24 de janeiro de 2009 às 23:21
Às vezes penso na nossa história como um livro de gravuras. Às vezes me confundo com uma criança que folheia o livro, sem lê-lo, só procurando desenhos. Eu, quando criança, procurava livros só pelo prazer de olhar as fotos. Mas aí eu percebi que a maioria dos livros não possuem fotos, só letras. Uma do lado da outra, do lado da outra, do lado da outra, espaços, e letras e frases e... quantas páginas com esse amontoado de letras! Foi então que passei a ler todos os livros que eu encontrava com o intuito de entender qual é a graça que tem um livro sem figuras! Deveria haver alguma, é claro, senão não existiriam. E havia. Havia cada um a sua graça. O seu encantamento. E passei, assim, a evitar os livros com desenhos. Limitavam a minha imaginação. Gostava de imaginar quem era Ursula Buendía ou como era o sorriso do gato de Cheshire ou como era feio o rosto de Macabéa, como seriam os diferentes jeitos de Viramundo. Imaginava um Dorian Gray só meu. Uma Capitu de olhos bem grandes para que merecessem ser citados com tanta ênfase. E passei a criar não só personagens lidos como a criar a minha própria personagem: eu. Cada livro me fazia com que eu me distanciasse mais do que eu era antes. Passei a ser não somente múltiplas pessoas em mim como pessoas diferentes a cada época, por mais que eu me olhasse no espelho e visse sempre a mesma menina de cabelos desgrenhados. E passado o tempo, eu vejo nossa história de amor como um livro que não tem palavras, só gravuras. E me vejo aquela criança que costumava ser, olhando nossas fotos, uma a uma, virando a página e entendendo como por mágica a história que era pra ser contada. Não precisa ser escrito aquilo que já foi vivido. Nem preciso viver aquilo que já foi escrito. Só queria virar a página dessa foto preto-e-branco. Não me agradou, não senhor! Criança ávida que sou, quero logo saber como esse livro todo desenhado por nossas mãos vai terminar! Se for terminar...

"...através de silêncios mal tecidos e palavras inábeis, pobre coisa sedenta, te feres, exigindo o poço alheio para saciar tua sede indivisível." [ caio fernando abreu ]

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