o contrário

sábado, 20 de fevereiro de 2010 às 15:51
estava decidida: iria esquecer. não era uma resolução de ano novo, um objetivo de fim de tarde, era uma decisão pra toda vida. quem sabe para essas e para muitas outras que virão! a não ser que volte barata, gregor samsa de outros milênios, aí não seria uma deliberação útil. mas enquanto gente, humana errante e decidida, verme transvestido, iria esquecer. decididamente. de imediato, se possível. e sem essa de que é impossível abusar do tempo em questões de memória. impossível e sempre são palavras tão utópicas pra ela como choro de alegria. e como boa viajante, acreditava piamente em choro de alegria. acreditava, veja só, nas coisas utópicas mais do que nas possíveis. amor, por exemplo. quem acredita no amor depois que ele acaba? ela, pois, acreditava mais no desamor e na beleza que ele tinha. se por ventura possuísse alguma. mas voltando a sua decisão matinal, abriu um dos muitos livros da sua estante para começar a tarefa do esquecimento forçado. e rubem fonseca dizia "no meio da sala, entre o sofá vermelho e a escrivaninha desbotada, ela deu a sua cara à tapa, literalmente.". não, não, sem a acidez do nosso fonseca. que tal a doçura do caio em 'onde andará dulce veiga?': "no meu ouvido, pedro repetia que não podíamos fugir daquilo, que estávamos predestinados, que fora um encontro mágico, que precisava de mim para não morrer de solidão, abandono e tristeza.". ai, ai, ai. tudo lembrava o que passou. o que ela teimava relutantemente em esquecer. largou os livros. eles, de alguma forma escarnecedora, iriam lhe contar coisas da sua própria vida. e ela queria deixar pra trás não sua vida, não seus erros, mas seus desencontros. pegou suas coisas, roupas, papéis, canetas, escova de dente e o óculos de sol e foi embora. é assim que se esquece? fugindo? custa nada tentar...

espera voltar pra saber se realmente sua memória lhe traiu. até lá!

eu só repito

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010 às 15:59
Hoje tudo que eu queria dizer está aqui:


Escritos de Gaveta


Um beijo imenso a minha querida Anna Luiza por escrever tão bem ! Acho que nossa lua está no mesmo quadrante.

carnaval de dissabores

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010 às 17:04
No primeiro dia do ano, ela quebrou o espelho. Partiu-se ao meio. Descrente, recusou todos os presságios de azar que as pessoas a sua volta lhe ofereciam. Até que sofreu um acidente de carro, sem muitos ferimentos. Seu cachorro morreu. Sua avó se mudou. Sua melhor amiga se casou. Perdeu o emprego. Engordou 7 quilos. Sua gastrite piorou. Tudo que ela não queria imaginar aconteceu. Menos uma coisa: ele. Ele estava ali, ao seu lado. Amável e carinhoso. Com um prato de flores para em seu peito florir. Fazia planos e mostrava amor. Muito amor. Embora, da mesma maneira, nunca de muitas. Apegou-se a ele de forma peremptória. Era seu cais. Era o sinal mais claro que o azar do espelho partido não era uma verdade. Pelo menos não absoluta. Era a esperança de que as outras coisas voltassem, ou que coisas novas chegassem. Era o signo do desejo. Até que ele se foi. Virou-se as costas sem mais nem menos. Sem razão. Sem por quê. Disse estar de saco cheio de erros que, vistos a grandes olhos, também eram dele. Foi-se. E levou com ele todo o ceticismo da menina. Ela acreditou: sim, o espelho dá 7 anos de azar. E agora, dois meses depois, a menina pensa: "Ainda faltam 6 anos e 10 meses para ser feliz."

E a menina espera. Quem sabe ele volte... Daqui há 6 anos e 10 meses, quiçá. Ela esperará. Tão errada como nunca. Como sempre.

refazendo

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010 às 23:34
Despertou-se de súbito. O sol na cara. A poltrona desconfortável. A estrada esburacada que fazia o ônibus tremer. Nada disso o acordara. Era o cheiro. Sim, era o cheiro. O cheiro dela. Todas as vezes que ele viajava ao seu encontro, em algum momento antes da chegada, em algum ponto que não sabia qual, em alguns poucos quilômetros de proximidade, ele sentia, de forma inefável, o cheiro dela.

O cheiro. Era um cheiro bom. Ele sorriu. Sem nem perceber, sem nem se dar conta do despropósito que é sorrir para um cheiro. Começou a mexer a cabeça como quem segue um cheiro invisível por natureza, mas não precisou. O cheiro estava ali. Por todo o ambiente. Olhou para os lados para ver se os outros, meros passageiros, também o sentiam. Estavam dormindo. E os que estavam despertos, olhavam em volta a procura do ponto certo.

Mas ele tinha o cheiro por perto. E era aquela mistura gostosa da pele dela com o cheiro do cabelo. Aquele doce amálgama de quando ela saía do banho: a pele fresquinha junto com o aroma do xampu que ela usava. Não sabia porque, mas os cremes ficavam muito mais cheirosos quando vinham do cabelo dela.

Fechou os olhos e ficou lembrando das muitas tardes em que ela desfilou reinante com seu cheiro de menina. Menina que não precisa de perfume. Menina que tem como essência seu próprio cheiro. A menina que, sem querer, tinha o elixir que o fascinava. Jean-Baptiste Grenouille, sem dúvida alguma, percorreria céus e terra atrás desse fascínio.

Lembrou-se, com júbilo e saudade - mais júbilo que saudade -, dos banhos compartilhados. Do toque secreto e sereno das mãos que queriam perfumar. De quando ela penteava os cabelos, jogando água pelos cantos, cantarolando alguma música com desafino.

Ele percebeu, contudo, com saudade e tristeza - com igual saudade e tristeza - que não estava indo visitá-la. Que não estava sequer próximo à sua casa. Que o ponto final não era sua rodoviária onde ela estaria a sua espera com algum presente escondido na mochila, sempre pesada.

E foi assim que o cheiro dela chegou, assim meio sem aviso, pra dizer que não adianta fugir. Ela estaria sempre ali. Esperando por ele.

- Cheiro é uma coisa muito doida, né?



"(...)e ao mesmo tempo, inesperadamente, depois de mais de vinte e quatro horas sem pensar nisso, e só agora percebia que, durante todo esse tempo, não fizera outra coisa senão permanecer consciente do estar inconsciente dele no meu pensamento(...)" [ Onde andará Dulce Veiga? ]

( )

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010 às 02:02
eu só queria dizer, pra você ou pra qualquer outro que queira me ouvir, que hoje eu não tenho palavras. não por fraqueza. não por loucura. não há por quê.

e mesmo que haja espaço, tempo, pressa, fome ou qualquer outra coisa acerba, não há mais palavra. uma só pra ser dita. nem ouvida. nem escrita. nem pensada.

amanhã é outro dia.

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