sobre você

terça-feira, 27 de abril de 2010 às 16:50
“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo; esse tempo pertence a meus afetos, é para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela.. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis: isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize".

sem mais

segunda-feira, 26 de abril de 2010 às 16:47
"Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante."

Jogue fora quatro anos. Eu jogo fora todo o estupor.

Para uma avenca partindo

sexta-feira, 16 de abril de 2010 às 10:20
Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver
as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer
atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia
destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

[ O ovo apunhalado ]

Verde

domingo, 11 de abril de 2010 às 22:05
Numa noite estranha, com muitas pessoas e pouca luz, a gente se estranhou. Foi estranho como começou e está sendo sobejamente estranho agora que está prestes a terminar. Claro que você não sabe. Eu não te disse que sinto que a gente não dá certo, por mais estranho que isso pareça. Nada no meu corpo, no meu sorriso ou no meu beijo dá a entender que vai acabar. Talvez amanhã. Ou daqui alguns dias. Não sei quando, não sei nem se é preciso. Não sei. Mas vai. E não é minha fatalidade. Estranho, mas sinto como se já soubesse disso antes mesmo de acontecer. Embora tudo o que aconteceu nos mostre que somos dois errantes querendo muito, mas muito acertar em alguma coisa. E de tantos juntarmos os nós, os pontos, as querelas, de tanto acertar em erros que, sem dúvida, já cometemos, o perfeito desandou. E você não sabe. Ainda não. Mas eu vi, tudo se desmanchou e palavra alguma agora, mesmo as muitas que se foram, vai consertar. Talvez seja hora do descanso, não a hora da labuta. Talvez isso de procura seja mero passatempo para quem já encontrou e já perdeu. É estranho demais pensar em coisas para te dizer, essas coisas tolas de despedida, quando você me quer com tanta vontade. E saudade. E esperança. Eu sei que você vai querer me consertar. Eu sei que você vai maldizer meus medos se pondo herói. E, mais uma vez, vou me sentir uma corredora solitária e amarga que destrói castelos de areias deixado há pouco por crianças que foram embora antes do sol. Estranha metáfora. Não sei. Só que é estranho demais essa confusão toda que não tem nome e que parece já ter sido contada. Em alguma história qualquer. Alguma história que eu já vivi.



"Tinha uma coisa muito importante pra dizer. Mas prefiro não dizê-la. Só é sincero aquilo que não se diz. (...) Só o silêncio é sincero". [ Fernando Sabino ]

o que não tem governo nem nunca terá

quarta-feira, 7 de abril de 2010 às 13:55
quando criança, bem pequena, sem muita noção das coisas à minha volta, recebi um presente. era um chocolate que minha mãe comprou na volta do trabalho. era em forma de moeda de um real. ela desembrulhou o invólucro de moeda e me deu. era delicioso. pequenininho, mas muito saboroso. a partir daí, numa analogia infantil, passei a tentar descascar toda moeda de um real. qualquer moeda que meu pai deixava em cima da mesa, eu ia lá e mexia para ver se alguma era chocolate. depois de muitas tentativas vãs e de alguma experiência em tempo, percebi que dinheiro não era chocolate. que aquele, inexplicavelmente era, mas nenhum mais seria. já grande, dias atrás, passei numa farmácia para escolher tinta de cabelo com minha mãe. e vi, num potezinho ao lado do caixa, as famosas moedas de um real de chocolate da minha infância. ri com muita vontade ao lembrar de toda minha inocência e de todas as tentativas que fiz para descobrir mais e mais chocolates. me dei conta que eu, como adulta, ou criança mais crescida nunca associei aquele chocolate como uma não-moeda, só naquele dia em que vi no potinho. para mim, aquela era uma moeda excepcional, que incidentemente veio com um chocolate, como um descuido.

e hoje, hoje mesmo, nesse exato instante me dei conta de que você não é uma moeda excepcional onde eu sorvi o mais gostoso chocolate. sim, você me deu os sabores mais ávidos, os prazeres mais primários, as lembranças mais pungentes, mas não será o único. assim como acreditei a vida inteira na sua singularidade. não há singularidade nenhuma no que você me deu, no que você deixou de dar. e você é uma moeda de um real, como qualquer uma, e não adianta eu fugir disso. não posso te fazer mais chocolate no meio desse mundo que é só moeda. e nem vou.

foi hoje. assim. do nada. hoje que vi. que percebi. que entendi. minha busca é pelo chocolate nos invólucros mais comuns. meu caminho é descascar.



“Como é que eu podia saber que aquelas rosas eram carnívoras?” [ C. F. Abreu ]

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