inferno

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010 às 19:13
Acordei no meio da madrugada. Assustada. Presa na cama, sentia algo que me impedia de se mover. O peso. O peso das palavras. Como doía! Não só o coração retalhado, mas a cabeça, os pés, os dedos, as costas, a barriga. Chego a ouvir o barulho do estômago se revirando da comida que não entra mais. Respirei fundo. Seria fraqueza toda essa imobilidade? As palavras dele não deveriam ter tanto impacto. E não vou jamais confessar que tiveram! Não enquanto acabar esse texto. E se me perguntar, claro que não perguntará, direi rindo com um sarcasmo fingido "Eu não acredito em você!". Mentira, eu acredito. Em todas as palavras que ele gritou. Gritou! É insano o poder que as palavras tem de construir e destruir o que está a sua volta. Hitler conseguiu dominar um país inteiro através das palavras. E destruiu. Ele conseguiu me destruir como pessoa, como ser humano só... com as palavras. Deveria haver um botão de mute no telefone pra caso alguém começasse a dizer coisas que você não quer ouvir. Deveria haver alguma válvula de escape para à noite se poder dormir sem ficar vozes na sua cabeça dizendo tudo aquilo que você nunca quis ser. Deveria ser um pressuposto incontestável do amor nunca ferir. Pelo menos não o ferir grosseiro. O ferir do destrato. Shakespeare deveria ter escrito, se é que não escreveu, que amor é algo como um carinho incomensurável e platônico. Sem necessidade de equivalência e mutualidade. Sem pretensão egocêntrica. Simplesmente sem pretensões. Evitaria, quem sabe, o meu erro impetuoso de te ligar pra dizer coisas sem importância depois da sujeira que foi viver sem você. Não me arrependo dos fiascos que me meti. Todos eles serviram para me mostrar quem eu sou ou, no mínimo, quem eu não quero jamais ser. Isso tudo não adianta muito. Palavras minhas não te servem. Você não as escuta, muito menos as lê. Falo porque sou teimosa. Escrevo porque não sou leve. Mas você sabe fugir. E eu sei me lambuzar com a sujeira dos meus erros pífios. Sua fuga, meu desconsolo. E estamos bem assim.

Boa noite.



É, Dostoievski, você tem razão. O inferno é mesmo o sofrimento de não poder amar.

a dor é toda minha

terça-feira, 26 de janeiro de 2010 às 23:58
A única coisa que ela não poderia ter feito naquele momento era chorar. Chorou, pois. Um choro compulsivo o da menina. Espantado, ele se levantou, segurou seus ombros e disse "O que houve? O que eu fiz de errado?". Não fez. Não fez absolutamente nada de errado e era aquela situação extremamente perfeita que a assustou. Era pavor nos olhos da menina. Ao mesmo tempo, ela parecia entender...

Soluçava. Ele trouxe um copo d'água e parou de indagá-la. Chegaria um momento que ela diria. Que confessaria o porquê do choro inesperado no momento preparado especialmente para fazê-la sorrir. A menina sentiu um arrepio que não era medo, sentiu o dissabor da descoberta de quem há muito desistiu de se perguntar. Fitou os olhos, esses sim cheios de medo, de quem estava na sua frente segurando um copo já vazio. A menina voltou a chorar. Já era tarde.

Abriu os olhos úmidos. Viu os girassóis. Ah, os girassóis... Um dia dissera que era sua flor preferida. Apesar de que toda flor a encantava, independente do tipo. Mas os girassóis, amarelos que só eles, a faziam sorrir. Não a fizeram. Haviam muitos deles pelo quarto. Ele não se contentou com uma flor. Ela merecia mais. Muitos e muitos e muitos. A menina nunca tinha ganhado girassóis, nem flor alguma. Era importante aquele monte de flores com cheiro bom. Deveria ser.

Não eram só os girassóis que eram pra ela. Ele fez uma música. Uma letra linda que falava de anjo, beleza e sorriso. Era pra ela. E o violão estava ali do lado da cadeira para fazê-la lembrar da voz mansa dele cantando. A menina se deleitou com sua canção. Primeira canção feita somente pra ela. Nunca quis uma música, mas não pode esconder tamanha surpresa deleitante em ganhar uma. Tinha esquecido a letra.

Ele a puxou pra perto oferecendo pro choro estouvado, o ombro. Ela recusou. E olhou pra baixo para não ter que ver os olhos que perscrutam. Qual era o erro daquela noite? A menina ainda podia escutar o "Eu te amo" dele ecoando pelas paredes e pela fragilidade do seus ossos. Foi um lindo eu-te-amo acompanhado de um monte de palavra goethiana que, por si só, a encantariam. O encanto não se perdeu. O encanto simplesmente não apareceu.

E tudo que ela sempre quis eram flores, declarações de amor e um beijo doce. E havia ali, mais do que ela sempre quis. Qual era, então, o motivo do choro da menina na noite sem estrelas? Na noite feita para que ela brilhasse? A menina, fosca, sabia bem que a noite não era sua. E que o perfume dos girassóis também não vinha dela. A menina queria que ele entendesse que o problema é que o amor não era dele. Eram olhos de quem esperava amor, muito amor, os dele. Mas ela não tinha.

Todo seu amor, por mais que ela guardasse e escondesse, era de quem se foi. E foi. E não volta.

Não disse nada a menina. Seu pranto já era sua perdição.



"chegou-se a discutir qual a metade mais bela. nenhuma das duas era totalmente bela. carecia optar. cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." [ carlos drummond de andrade ]

se puder sem medo

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010 às 22:55
"Quantas vezes é preciso perder pra finalmente ganhar?", pensou a menina. Molhada de chuva, de suor, de lágrimas, ela foi andando calmamente a rua estreita da casa dele. O vento era forte e trazia em sua direção gotas grossas de chuva que machucavam, mas que a faziam lembrar que dor não é desatino qualquer. E de dor a menina conhecia bem. Assim como eu conheço, você também, porque é coisa fácil de entender. Dor é coisa mundana. E só foge dela quem se esquiva. Nessa hora, a menina se esquivou de uma folha amarela que tinha acabado de se soltar de uma árvore. Estava novamente apostando num novo amor. O sétimo daquele ano. Ou era o oitavo? Depois do primeiro amor, não vale mais a pena contar. E tudo o mais parece tentativa. E as da menina, até agora, se mostraram inúteis. Nenhum deles realmente foi capaz de amá-la como o primeiro. Nenhum deles, efetivamene, a amou como ela queria. Como ela merecia. Como ela se propos a amar. Ela é menina dessas que se joga, que se permite, que tem medo e por ter medo quer sempre ter mais o que temer. Como eu, quem sabe como você também. Ela não se lembrava bem porque o segundo a havia deixado, mas estava claro e latejante ainda na sua cabeça como o último a renegou. Disse ele que não sabia quem escolher. Antes mesmo de se por como opção, abriu mão da condição de escolhida ou negaciada. Não queria saber se estava além ou aquém de qualquer outra concorrente. Não queria saber se era o suficiente para tal. A menina não suportava competir. Talvez porque perder não era tão bonito assim como diziam os finais dos livros. E assim foi o sexto, ou o sétimo. Não sabia ao certo. Contudo, nem a chuva, nem o vento frio, nem o medo do erro iminente iriam fazê-la desistir do sétimo. Ou oitavo? E se ele não a amar, como outros não amaram, como alguns pouco amaram, como um certa vez amou. Tudo bem, ela iria voltar e acreditar na ilusão dos que viriam. Dos que incertamente virão. A menina só queria acreditar e não faz mal nenhum acreditar de verdade. Eu sei e você sabe. Até porque todo mundo sempre acredita na mesma coisa achando que acredita em coisas diferentes. Só muda a maneira de acreditar. E a maneira de acreditar da menina era essa. Tentativas inúteis de se encontrar bem na hora que todos eles só queriam se perder. E ela se perde junto achando que esse é o caminho. A menina chegou. Prostrou-se frente ao portão dele. Com pouca esperança. Com muito amor. Não sabia se era sede ou engano. Só sabia que ia tentar. Mais uma vez.

Quando é a vez de ganhar?

o sal da pedra

terça-feira, 19 de janeiro de 2010 às 12:23
eu sei, a noite não foi boa. não sei se era o calor, a música baixa, a cerveja cara... as companhias eram legais. as risadas, abundantes. mas eu não sei, não estava bom. talvez porque houvesse uma distância entre a gente diferente da quinta que era terça e da sexta que sempre foi sexta. era, no entanto, uma segunda estranha, que de tão planejada saiu do nosso controle. é, eu sei, não haviam laços que impedissem seu bel-prazer, muito menos haviam nós que escondesse minha surpresa. e estava claro que muita coisa que se passou entre a gente estava escuro. eu sei que o querer e o fazer são coisas separadas, mas não adianta me puxar no canto para me explicar essa lógica porque eu não vou entender. e nem quero entender porque o céu do rio de janeiro não é o mesmo de onde vim para te dizer as coisas que escondi quando deveria ter dito. e você me disse tanta coisa bonita enquanto estive quieta, que era preciso eu dizer que era mútuo, mesmo agora que não há mais a sua reciprocidade, mesmo agora que você não possui mais ouvidos. eu sei, meu bem, o peso nas suas costas agora é todo meu. em dobro. e sei que deveria desdizer suas proezas, e te injuriar com todo o ardor do meu ego ferido, te mostrar revolta e descaso, menosprezar sua dança ensaiada, derramar no chão a água ofertada. mas não. a noite não foi boa. mas, eu sei, pra você ainda vai melhorar. e à parte de todo o despeito, que melhore.

o carinho é o pior ódio que alguém pode sentir.




"Oh! O homem é tão efêmero que até nos lugares onde ele tem a absoluta certeza de sua existência, onde grava a única marca verdadeira da sua presença na memória e na alma dos seus amigos, aí mesmo se extingue e desaparece... E quão depressa!" [ Goethe ]

eu te amo

sábado, 9 de janeiro de 2010 às 22:43
- Alô?

"meu deus, como é difícil ficar longe de você, como é difícil suportar a sequência de dias sem sua voz mansa, sem sua risada convidativa, sem seus adjetivos próprios 'bom dia, meu anjo', só você me desejava bom dia, só você me achava um anjo, só você me ligava no meio da madrugada pra dizer alguma coisa sem sentido, algo sem importância, mas só pra dizer e o dizer, puro e simples, já era o suficiente pra me encher de júbilo, porque do outro lado tinha alguém que se importava, alguém que pensava em mim..."

- Alô? Alô?

"e o seu pensar não era gratuito porque exigia o meu pensar também, as ligações vinham sempre com questionamentos de onde estava, o que estava fazendo, se por acaso estava pensando em você, e eram cansativas, mas lá pro final ainda vinha algo de bonito 'tenho algo sério pra te dizer... eu te amo!', ah, como você me ludibriava e eu caía nos seus enganos enlevada de prazer, era um prazer que só você me dava e que só agora me dou conta de que não só faz falta, como dói, dói e aperta fundo no peito esse se jogar em braços que acolhem..."

- Quem é? Alô?

"embora nem sempre tenha me acolhido, mas eu esqueço porque sou boba, esqueço porque o teatro da lembrança é curto demais para as quimeras do irrealizável, e há muita coisa boa por aí que eu quero que você saiba que não esqueci, não esqueci e as desejo pra mim e pra você com um cinismo de quem não sabe se virar sozinha, e sinceridade não vale a pena pra quem nunca soube o que é certo e o que é errado, e você que sempre foi tão categórico fez as coisas virarem do avesso, nem sei mais quem eu sou..."

- Alô??? Alguém tá me ouvindo?

"mas o que eu sou não importa, nem o que eu me tornei por sua causa, e já digo de antemão que me desdobrei pra ser alguém próximo ao que você queria, mas nem cheguei perto, e nem iria chegar, porque você muda de opinião como quem apanha um livro novo numa estante, de toda forma, o que sou ou o que virei a ser não basta pra tanto amor, mas não vamos falar de amor, porque já não cabe mais aqui nenhuma grandeza desse tipo, nos tornamos ínfimos demais pra sentimentos tão pungentes, mas vou te dizer..."

- Tchau !


“Assim, separados, amar-nos-emos sempre. A ponte entre nós será a curva do céu, e assim o nosso amor será eterno. Possuir-te era já o caminho de perder-te. Viver contigo era a maneira de te ir esquecendo." [ Fernando Pessoa ]

avesso

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010 às 16:57
quer saber? mereço alguém melhor que você! é, mereço sim. demorei muito tempo pra perceber, põe tempo nisso, mas percebi. e você sabe, sabe bem, que tem muita culpa no cartório. que fez e desfez o que queria, como se eu fosse uma das muitas histórias que você cria nesse seu ofício ilusório de escritor. foi por dizer que me queria exacerbadamente que me dei conta que seu querer era egoísta. que sua proteção era fugidia. que o seu se importar não era mais que um cercear disfarçado. não, meu bem, não adianta me mandar indiretas porque eu não me importo mais. quero mesmo é que você seja feliz com qualquer outra menina que aceite ser manipulada por você. e muitas aceitarão, na plena consciência do seu jogo existencialista. e serão muito amadas, sem dúvida, porque você sabe amar. e ama com força, com vontade, com ímpeto. só o que você não sabe é errar. e por não saber errar, você também não sabe perdoar. porque o maior dos seus erros é se ver como deus e ver as pessoas como seu simples reflexo. não é narcisismo não. é humano, diria eu na minha simplória filosofia. é até grandioso em certos momentos. só não cabe mais no nosso teatro do ir e vir essa sua grandeza humana. muito menos minhas minúcias imaturas. mas, veja bem, por mais indigno que você tenha sido, e eu lá não sou muito parcial pra afirmar se foi ou não, eu te admiro pra caralho. não porque você é mitologicamente lindo. nem muito menos por sua inteligência aguçada, embora um tanto direcionada. muito menos seu sorriso largo na moldura da barba feita. nada disso. te admiro porque te amo. é cruel, eu sei. mas é nu e cru: admiro porque existe amor. e quando não existir mais amor, vou te achar um qualquer inescrupuloso e pérfido. mas como ainda existe amor, e como ainda vai existir por bastante tempo, mesmo que resquícios, eu te acho foda. e eu não esqueci que mereço alguém melhor que você. ah, se mereço! só não acredito que haja alguém melhor que você.

aí complica...



"Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe!" [ Caio Fernando Abreu ]

Passarinho

sábado, 2 de janeiro de 2010 às 22:37
- Me ama?
Assim. De súbito. À queima roupa. Ele se assustou.
- Quê?
- Me ama!
Não era mais uma pergunta. Era uma súplica. Um desejo. Um pedido estrénuo.
- Me ama? - repetiu ela.
- Mas... mas... a gente mal se conhece. E... além do mais...
Ele balbuciava.
- Além do mais... Por que essa pergunta de repente?
- É porque te quero perto.
Ela abriu bem os olhos. Eram olhos fundos. E ele se sentiu incomodado com ela o olhando tão profundamente.
- Mas... nós estamos perto.
- Mas não estamos juntos.
Ele se sentia mais incomodado ainda com as suas respostas rápidas. Quase prontas.
- Então... me ama?
Ela não desistia.
- Não é assim...
E ele se perdia.
- Eu mal te conheço. Você mal me conhece. Dormimos algumas vezes juntos. Foi legal. Temos uma afinidade muito boa no sexo. Você é bonita e tudo. Tem um sorriso bom. É do tipo que conversa e tal, mas...
- Mas...?
- Eu não te amo.
Era incômodo demais usar palavras tão fortes com ela.
- Eu sei que não me ama. Nem eu te amo. A gente dormiu algumas vezes. E foi meramente carnal. Eu até gosto do carinho que você faz nas minhas costas depois do sexo. Me dá uma paz... Mas não foi nada demais. É que eu não quero mais. Aliás, quero é mais mesmo. Quero amor.
Ele se espantou com um lado decidida dela que ele não conhecia. Como os muitos outros lados dela que ele não conhecia.
- Não sei se tenho esse amor.
E não queria conhecer.
- Tá bom.
- Tá bom? Só isso?
- É, tá bom.
Sim, ela era bem decidida.
- A gente se vê?
- Não, a gente não se vê. Melhor não.
- É que você não entende... Com amor as coisas são muito mais difíceis.
Ela riu. Uma risada superiormente evasiva.
- O que foi?
- Nada. Tô indo.
E ria. E saiu rindo. Riso de quem não quer o fácil. Riso de quem não sabe se perder.



Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura. [ Friedrich Nietzsche ]

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