sucessão

terça-feira, 17 de agosto de 2010 às 21:17
nossa conversa informal, no meio de garrafas de cerveja, chuva e fumaça de cigarro ficou diferente quando você surpreendentemente disse "você é especial". assim, do nada. talvez até tenha tido algumas palavras antes, algum motivo, algum assunto prévio. mas eu não ouvi mais nada a não ser o seu agrado repentino. belo e novo. e, pela primeira vez, eu te olhei mais fundo. reparei nos seus olhos comuns. no seus dentes brancos e pequenos. no seu cabelo cortado rente. te vi e pensei que você não me lembrava ninguém. era você pura e simplesmente você. amavelmente você. e aí eu comecei a desconstruir tudo aquilo que eu havia acumulando antes de você chegar e me dizer coisas à queima roupa. comecei, então, a pensar que haveria algum sentido em todo aquele ritual colorido que fez com que a gente esbarrasse nossos copos cheios. e quando você se foi, prometendo voltar eu percebi que não iria te esperar porque é difícil desconstruir esse devir que é o passado. e ao ver você andando sem desviar os olhos de mim até virar a esquina, eu vi que seus olhos não eram tão comuns assim como eu pensava. e que amanhã estarei ali bebendo. sem te esperar. sabendo sem querer que você vai aparecer.


"Seu maior medo era o destemor que sentia. Íntegro, sem mágoas nem carências ou expectativas. Inteiro, sem memórias nem fantasias. Mesmo o não-medo sequer sentia, pois não-dar-certo era o natural das coisas serem, imodificáveis, irredutíveis a qualquer tipo de esforço. " [ C. F. Abreu ]

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