eterno retorno

domingo, 16 de maio de 2010 às 12:02
antes mesmo de chegar, vejo-te na porta:
com os braços cruzados na altura do peito.
olhos baixos como quem procura nas formigas do chão, um sentido para a espera.
é por ti que venho em madrugada tão alta que já engana: é dia.
e essa luz forte nos olhos, cega tanto quanto esse amor que nada diz.
e te digo que é bom te ver, em tom de mentira, para esconder a vergonha de uma verdade sincera.
tu não te importas. tampouco sorris.
eu tiro os sapatos. as meias. a poeira. jogo no chão o que me pesa as costas.
é o alívio que me traz quando todo esse peso vai embora.
e volta.
mas volto.
voltei pra dizer, mas se bem considero, esse silêncio nos cai melhor.
olho pra ti pedinte.
olhas pra mim recluso.
algum barulho desavisado lembra-te de que espero.
imerso em pensamentos, dizes tu.
não entendo. tu não te esforças em explicar, em agradar, em pôr alguma ou qualquer lógica nas tuas proposições.
é por ti que finjo.
sorrio complacente. digo que entendo. calço os sapatos.
esqueço as meias.
que seja! já estão velhas.
e vou andando na madrugada avessa. de volta.
e tu virás atrás.
não agora.
mas virás.
assim como eu vim. sem prelúdios.
e será assim que seremos: não-sendo.
são nossos paradoxos que nos movem.

revés

sábado, 8 de maio de 2010 às 21:48
não consigo evitar um sorriso. sabe por que? porque já do lado de fora, na varanda, eu sinto o cheiro quente (assim bem sinestésico mesmo) do café doce... sim, doce. porque ela, no seu zelo infindo, já adoça o meu vício. na medida certa do meu querer. três colheres. copo bem cheio. sabor bem forte. e ela faz porque prevê minha chegada e não há nada que ela mais queira no mundo do que um sorriso meu. eu sei. e eu sinto muito, um dia ter partido sem que ela prevesse. foi a semente da desconfiança que plantei. e nasceu uma árvore com galhos de discordância, mas que podei e agora a gente se completa. o suporte dela é pouco, contudo ardósia fria também é chão. e eu piso firme porque sei que todo o resto, mesmo o que parece bonito, pode ser queda. e como caí pisando em buracos! e ela me resgatou silenciosamente com uma austeridade que sempre maldisse, mas que me arrependo. e agora atravesso a porta e vejo no chão a bola colorida do cachorro, dengo que me faz sorrir outra vez, sorriso de quem não sabe porque se foi. mas fui porque o amor dela, sufocante na sua grandeza, me fez buscar novos rumos. eu sei, a fiz sofrer com minhas escolhas. como sempre, muito egoístas. só busquei o meu prazer. e ela, compreensiva por profissão, não entendeu. sofri. sofremos. deixemos de lado o que se foi, como aqueles quatro anos de viagens escondidas. deixemos de lado o que de alguma maneira não cabe mais nessa nova paisagem. nessa casa de sofás novos e retrato mais bonito - atualizado - na estante. que fique de lado o que perdi. quero agora só o suave dos fins de semana. a conversa despretensiosa. o vestido que não cabe mais. o cajuzinho de panela. e um pouco mais de café.


e sinto saudade.

amigo. no singular.

domingo, 2 de maio de 2010 às 23:05
Gosto de te ter por perto. De te ver falando sozinho. Ficando vermelho com algum comentário indiscreto que faço, desses que sempre faço. De você pegando uma cadeira pra eu sentar do seu lado e contar coisas desinteressantes que, não sei como, você sempre acha interessante. Quando muito você me oferece sua cerveja dizendo "pode querer!". E quando você vem de longe, andando desengonçado, eu abro os braços com muito júbilo porque seu abraço é uma bela maneira de começar o dia. Porque é abraço de amigo que quer bem. E quando estou mal, triste e descrente, você passa a mão no meu cabelo macio e despenteado e diz "fica assim não, calanguinho...". De alguma forma, eu fico bem melhor quando eu vejo algum sentido nas coisas que você diz. E, às vezes, te vejo no canto pensativo, um pouco taciturno, corro logo porque te querer bem é algo intrínseco e novo. E te quero bem até nos seus momentos idiossincráticos, porque algumas coisas suas são quase minhas. Não sei porquê, mas sinto muito sua falta quando vou embora. E, quando me escondo de todo o resto, de você eu vejo que não preciso. Em algum momento, eu deveria me sentir desconfortável com o tamanho de coisas que você sabe de mim. E você sabe tanto que o que não sabe eu sei que já adivinhou. E adivinha muito. Veja, às vezes falo muito e você se cansa, te atrapalho e te atropelo, mas eu quero te escutar sempre porque não sei como fazer as coisas sem ser desse jeito torto. E parece bonito quando você diz que nem é tão torto assim. E se transforma em beleza quando você fotografa. Os minutos que você passa escolhendo a cor e o tom, o ângulo dos olhos sem miopia, tudo isso faz com que alguma leveza inexistente, apareça. Te procuro quando você não está. Porque é perto que te quero e te adoro. Não importa se judeu, antropólogo, fotógrafo agraciado, alvo principal de criancinhas de ruas famintas por trocado. Se precisar, sei que você me empresta. Não importa... Fique perto. Sempre.


"A memória da gente é safada: elimina o amargo, a peneira só deixa passar o doce." [ C. F ]

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