quem havia de dizer

segunda-feira, 25 de outubro de 2010 às 14:16
Veja você, foi uma surpresa! Mal poderia chamar de encontro, de casualidade, melhor seria: foi um esbarro. Sim, um esbarro. Estávamos nós, atravessando a Rio Branco e bum: um de frente para o outro. Os carros buzinando, as pessoas passando amontoadas, empurrando nós dois, os transeuntes parados em meio a faixa de pedestre. Rimos do desastre. Porque nosso encontro-esbarro para sempre seria um desastre. Tentamos fingir naturalidade, mas o que menos havia naquele embate era qualquer coisa de natural. "E aí? Como vai?", "Bem e você?". Estilo mesmo 'Sinal Fechado' de Chico e Bethânia. Mas fomos além. "Uma cervejinha?". "Nesse calor? Que maravilha!". A conversa não evoluiu. Os assuntos eram curtos. E o cigarro atrás do outro mostrava que tanto eu quanto você estávamos nervosos. E ansiosos, talvez. Aonde isso iria parar? Não parou. Voltamos para o metrô com promessas de encontros futuros. "Aquele filme que tá passando no CCBBB...", "Nossa, estava mesmo doida pra ver!". E, mais uma surpresa: estamos aqui. Quantos anos se passaram mesmo para que tudo isso voltasse com tão mais força? Nem sei. Mas é encantador esse museu contemporâneo. Esse quente nos dedos sem anéis. Sejamos ciganos.


"E quando, de repente, atravessando a mesma rua engarrafada, a gente se encontrar, eu sei que você vai imaginar que como fazem na tv, uma canção romântica há de vir no ar, selar o encontro que o corpo sente e o coração aos pulos quer viver..." [ Oswaldo Montenegro ]

travessia

terça-feira, 19 de outubro de 2010 às 18:40
Choro, sem medo. Choro porque depois de tanto tempo é difícil colher tanta coisa que não se plantou. Talvez sejam lamentos de menina. De certo, faz parte da vida. Mesmo que seja das passadas. Procuro alguma harmonia nesse desencanto efêmero que me assombra e me abraça. Mas só o que acho é um encanto sobrenatural nessa desarmonia vulgarmente conhecida como mundo. Peço calma. Peço tempo. Peço calma e tempo porque até onde estou eles se misturam e se confundem como moléculas. Por vezes, chamo aos berros que me socorram. Noutras, silencio e me refugio, mentindo a mim o desejo de encontrar quem quer que possa me oferecer o novo. Ou o vivo. Ergo-me, cambaleante, dia após dia na esperança feérica de me espelhar. O perder para se encontrar. Entende isso? É confuso, mas é humano. E sentimento é o único arquétipo universalmente irrefutável. Então você me entende...


"Eu sempre sofri em silêncio, - e o silêncio nos faz sofrer mais profundamente." [ Kahlil Gibran ]

o vazio que cabe

quarta-feira, 13 de outubro de 2010 às 18:42
a menina mudava de rosto conforme a ocasião. preto, vinho, azul. não importa qual a cor da sombra nos olhos, o tom de sangue vivo nos lábios era sempre o mesmo. sua pele morena não realçava tanto a cor escandalosa, mas o batom deixava bem claro o que queria dizer através da boca: ela fere. e feria por aí muitos e muitos protótipos. não de propósito. não é sua essa maledicência vermelha. também não era tão ingênua a ponto de não saber o poço fundo que cavava. pois a menina não só mudava de caras, como mudava de cárater. dependia do vestido. do tamanho do pano. e da extensão da noite. e se divertia, a menina, com tantos personagens cada vez mais reais. para os outros, menos para ela própria. foi assim que ela, ao inventar e desinventar festas e lutos e encontros e motivos e tropeços, que se deixou levar. "não quero mais", bateu o pé. como criança e sua condição de livre encenação. e fechou as portas e largou as cores e os tecidos. juntou folhas e perfumes. e pronto... encerrado o ato! mas a vida continua, menina. ela nem percebe...



"(...) e eu lhe respondi que não fazia nada mais que estar vivo, porque tudo o mais não valia a pena." [ Gabriel García Marquez ]

o que me falta é o que me basta

quarta-feira, 6 de outubro de 2010 às 00:08
... o que me sobrou de você foi uma ferida exposta. um buraco imenso e fundo que infecciona toda vez que alguém chega com ares de cura. e mesmo que venham linhas de ternura para costurar esse cancro seu, ele lateja como se não estivesse preparado para se tornar cicatriz. eu finjo, entre cortinas, que ele não existe. que ele não grita por atenção. que ele não me causa repúdio. mas a bem da verdade é que ele me causa coceira em dias de sol e dor nos dias de chuva. e mesmo tapando com uma atadura, as pessoas notam e comentam que eu escondo sempre alguma coisa por debaixo de mim. eu digo que foi acidente, por vezes até minto, não-é-nada, vai-passar, trauma-de-infância. mas que diabos, quem estou enganando? isso tudo é você. foi sua culpa. foi você quem fez. essa ferida tem seu dedo que escarafunchou e fez sagrar. foi você naquele fatídico dia que, covarde como sempre foi, vendo-se perdedor do conflito, resolveu me marcar. um troco muito bem dado, diga-se de passagem, posto que te marquei com suaves desgostos. embora não tenha fugido de nenhum deles. mas que seja! espero. espero porque é o que dizem: o tempo sempre cura. e ao contrário de você, não ofereço a ninguém a cruz que não possam carregar.


Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você. [ Sartre ]

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