"... porque mistério sempre há de pintar por aí." [ Doces Bárbaros ]
sobre fingir
domingo, 25 de outubro de 2009
às
21:47
| Postado por
larissa
a menina não entendia o desprezo. e fechou os olhos, bem fortes, pra tentar buscar no fundo da sua memória já desgastada - não pelo tempo, mas pelo esforço - o que teria feito para ele. onde pecou, a palavra derradeira do desdém, o gesto incerto, ou teria sido um erro de português num momento crucial? nunca soube conjugar certos verbos... a menina nada achou. em contrapartida, resolveu então achar algum motivo suficientemente coerente para desprezá-lo. odiá-lo, talvez. estaria ele a odiando nesse momento? desejou que sim. "que seja!", também o odiaria. e seu desdém iria ser ainda mais amargo. duvidou de si mesma, já que tudo que fazia era imperceptivelmente doce, mesmo que falso certas vezes. lembrou-se então de toda a curta história que tinham. da maneira como ele ria do seu sotaque arrastado. de como ele implicava com seus vestidos sempre tão curtos. ah, como ele ria engraçado quanto estava bêbado! era bom o cheiro dele de cigarro, perfume e alguma coisa que ela não conseguia identicar. devia ser amor. ele cheirava amor, embora ela nunca percebesse amor em nada mais nele. o lugar mais improvável de se sentir amor: pelo cheiro da pele. e ela sentia. e lembrou-se do roçar da barba dizendo "a gente se fala!". eles não se falavam mais. não sabia o motivo. por mais que no fundo, ela sabia, houvesse algum. a menina desistiu de odiá-lo. desistiu das desculpas, dos motivos, dos dissabores. tem lembranças boas dele. e são boas mesmo com o silêncio. serão boas mesmo com a distância. permanecerão boas com o tempo? não sabia. a menina não sabia mais porque nada disso estava acontecendo. mas sabia que foi bom ter acontecido. erro seu, erro dele. não importava. sua memória fraca sabe bem o que guardar.
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