quem não tem pra quem se dar, o dia é igual a noite

segunda-feira, 5 de outubro de 2009 às 19:27
ele chegou. reconhecia aquela camisa. preta com a coroa dourada. lembra-se muito bem dela. foi a camisa que usou na primeira vez que se viram. o encontro mais esperado, desejado, planejado e, portanto, o mais frustrante. o cabelo estava curto, esperava mais longo por sinal de rebeldia. ele sentou-se. não disse nada. não cumprimentou. não a beijou na bochecha. só sentou. e ficou olhando.

- não sabia que você fumava.
- você não sabe de muitas coisas...
- passou a fumar quando?
- quando você me deixou.
- humm, influência de quem? da faculdade? dos amigos boêmios, dos filmes europeus?
- vamos começar a nos atacar? são quatro anos sem nos ver...
- quatro anos de silêncio merece um certo ataque.
- não estou em posição de defesa. quer beber alguma coisa?
- quero saber porque você me chamou.
- sabia que viria ao rio. vi no seu twitter.
- ainda procurando por mim?
- jamais deixei de procurar por você.
- foram quatro anos de silêncio.
- foram três anos de história.
- que eu fiz questão de esquecer...
- se esquecesse não estaria aqui.

ele pediu uma cerveja. eu pedi uma tequila. eu olhava pro cinzeiro. ele olhava pra mim.

- você continua a mesma. o relógio do lado errado, no braço direito. a tequila de sempre. até o cabelo é o mesmo, embora mais cacheado.
- você anda bem diferente. embora seu sorriso esteja o mesmo.
- eu ainda não sorri.
- nem precisa. é o mesmo. eu sei.
- não deveria ter vindo...
- a gente não evita a queda, depois que escolhe se jogar do abismo.

ele riu. sarcástico e ácido. como de costume. não era sua personalidade, mas passou a ser seu escudo depois que as coisas começaram a dar errado.

- e você, continua devorando os corações dos homens que passam pela sua vida?
- e você, continua se escondendo no meu coração devorador de homens?
- consegui me livrar disso...
- hummm, consegui me livrar também.
- sozinha?
- sozinha.
- acompanhado.
- humm, uma surpresa. você que sempre prezou a solidão.
- as coisas mudam... embora meu sorriso fique o mesmo.
- é, outras ficam, embora meu cabelo esteja mais cacheado.

ele percebeu que eu estava segurando o choro. ele percebeu que eu estava desconfortável e não passava mais a mesma segurança do ínicio do encontro. ele pegou o cigarro da minha mão.

- pare de fumar. vai lhe fazer mal!
- nada pode me fazer mais mal do que o que você já me fez.
- eu estava furioso.
- eu estava frágil.
- já passou. foi há quatro anos.
- não passou. suas palavras perduram por muitos anos.
- desculpa.
- você não é de pedir perdão...
- você não é de fumar...

eu evitava olhar. ele evitava deixar transparecer. eu não conseguia suportar. os olhos não conseguiam mentir. ele não sabia como agir.

- tenho que ir. o metrô fecha às 11.
- tá.
- e dos três anos que tivemos juntos, o que ficou?
- nada. pra mim não ficou nada.
- é, nem pra mim.
- mentira sua.
- é, eu sei. toma, esse livro guardei pra você. pra não perder o costume.
- obrigado. não vou aceitar. não quero nada seu.
- não é mais meu. foi dado. agora é seu.

eu deixei em cima da mesa. e saí andando. chorando. ele pegou o livro. e foi atrás.

- posso te pagar mais uma tequila?
- posso fumar mais um cigarro?

ele riu.

- é, seu sorriso continua o mesmo.
- e seu cabelo está muito mais bonito cacheado.

"chegou-se a discutir qual a metade mais bela. nenhuma das duas era totalmente bela. carecia optar. cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia."

[ carlos drummond de andrade ]

1 Responses to quem não tem pra quem se dar, o dia é igual a noite

  1. devir! :D

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