sobre morrer

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009 às 11:59
Quando era criança tinha medo da dor. E enquanto viva, eu poderia fugir da dor com remédios ou com o carinho da mamãe que beija o machucado. O meu medo vinha de sentir dor no momento da morte. E qualquer morte que parecia dolorida pra mim era aterrorizante. Morrer queimada. Tinha medo de fogueiras e velas. Até que o fogo me atraiu mais que amendrontou. E comecei a sonhar que caía de abismos. Meu medo, pois, passou a ser morrer caindo. Desviava de bueros. Evitava elevadores... Passou também. Depois de ler Virginia Woolf, e saber que ela tinha colocado pedras no casaco para afundar assim que entrasse na água e no entanto se afogar. Que morte terrível deve ser sufocar embaixo d'água! Mas passou. E infinitos medos me tomaram durante a vida. Medos de morte. Morte por asfixia. Morte por tiros. Todas elas se baseavam na dor. Era esse meu maior medo. A dor.

Mas agora, 21 anos depois, me dei conta que criei um novo medo de morte. Baseado numa dor que é maior do que todas essas que já temi: a dor da saudade. Ah, tenho tanto medo de morrer de saudade! E se morre de saudade, viu? Não se enganem! As estatísticas não mostram, mas muita gente morre de saudade. E pra confessar, tô morrendo aos pouquinhos. Hoje morri um montão. Só de saber que você me despreza e vai embora pra nunca mais voltar. Hoje deitei na cama e pensei na puta saudade que você me faz, e fará. E sempre fez!

Lembro... de um dia chuvoso, chuva dessas de verão, ouvi um raio. Assustada, como sempre fico, fui olhar o céu pela janela. Você disse "Ai, tomara que seja trovão! E que venham muitos". Parece maldade, já que você sempre soube do meu medo infantil de trovões. Mas não era. Era tanto carinho, mas tanto carinho, que você me queria por perto. Me queria com medo pra me proteger. Pra me enlaçar nos seus braços e me apertar fundo como você sempre faz. Sinto uma saudade cruel do seu abrigo. Porque lá fora agora tá um sol imenso, mas aqui dentro só tem trovão.

E já sei. Vou morrer de saudades! Literalmente. E saiba: dói muito essa vontade irremediável de você. Dói muito saber que do outro lado, não sou eu quem você admira. Desse lado de cá, há muito amor. Amor errado, manco, ácido, amor que não serve de nada. Só pra amar. Mas há amor demais. E transborda. E cresce. E dói.

Não tem jeito. Meu trovão é a saudade.


"Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos." [ Carta de despedida de Virginia Woolf ao marido ]

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