abre os teus armários

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009 às 22:29
Quando cheguei no metrô São Francisco Xavier ele estava lá. Parado. Quando o metrô chegou, pegamos o mesmo vagão. Não sei porquê, mas fiquei reparando nele. Na barba, na camisa listrada, na mochila marrom, no pé que balançava o ritmo da música. Que música seria? Ele tem cara de quem ouve o que? Será que já leu Baudelaire? Chegou minha estação: Uruguaina. Por coincidência, ele saltou na mesma estação que eu. Subiu a escada rolante do meu lado. E, ora veja!, pegou a mesma saída que eu, das muitas que a estação tem. Para minha surpresa, ele percorreu o mesmo caminho, sem sequer me notar. Entrou na mesma faculdade que eu entrei. E parou na mesma cantina do primeiro andar pra pedir, logo após de mim, a mesma coisa que pedi: café. Como um desencaixe, ele não pôs açúcar. Eu botei 4 colheres cheias. Subi de elevador. Ele subiu de escada. Mas chegamos juntos no mesmo andar: o quarto. O andar de Ciências Sociais. Ele cumprimentou a mesma pessoa que eu acenei no corredor. Não estava acreditando! Aquele desconhecido fazia o mesmo curso que eu! E eu nunca tinha reparado nele, nem naquela estação, nem naquele percurso, nem naquele espaço. Nunca tinha visto sua mochila marrom ou sua cicatriz no cotovelo esquerdo. Nunca! Deve ser o que a psicologia chama de 'invisibilidade relacional'. Você convive com a pessoa todo dia, mas sequer repara na existência dela. Nesse dia, reparei. E no dia seguinte, na mesma estação de ontem, cheguei mais perto e vi que ele escutava Elis Regina. E na hora de saltar, quando esbarram na bolsa dele vi que ele lia Bukowski. E quando sentamos na mesma hora pra tomar um café, ele puxou assunto e disse "Gostei da sua camisa!" e eu olhei e vi que era dos Rolling Stones. E nos outros dias, enquanto o metrô não vinha, ele reclamou do tempo. Eu reclamei da hora. E meses depois, encontrando-o todos os dias, sempre nos mesmos lugares, ainda o acho mais misterioso do que sempre fora. Só que agora havia uma coisa diferente. Que eu não queria acreditar.



"vezenquando, uma coisa só começa mesmo a existir quando você também começa a prestar atenção na existência dela. Quando a gente começa a gostar duma pessoa, é bem assim." [ Caio Fernando Abreu ]

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