a dor é toda minha

terça-feira, 26 de janeiro de 2010 às 23:58
A única coisa que ela não poderia ter feito naquele momento era chorar. Chorou, pois. Um choro compulsivo o da menina. Espantado, ele se levantou, segurou seus ombros e disse "O que houve? O que eu fiz de errado?". Não fez. Não fez absolutamente nada de errado e era aquela situação extremamente perfeita que a assustou. Era pavor nos olhos da menina. Ao mesmo tempo, ela parecia entender...

Soluçava. Ele trouxe um copo d'água e parou de indagá-la. Chegaria um momento que ela diria. Que confessaria o porquê do choro inesperado no momento preparado especialmente para fazê-la sorrir. A menina sentiu um arrepio que não era medo, sentiu o dissabor da descoberta de quem há muito desistiu de se perguntar. Fitou os olhos, esses sim cheios de medo, de quem estava na sua frente segurando um copo já vazio. A menina voltou a chorar. Já era tarde.

Abriu os olhos úmidos. Viu os girassóis. Ah, os girassóis... Um dia dissera que era sua flor preferida. Apesar de que toda flor a encantava, independente do tipo. Mas os girassóis, amarelos que só eles, a faziam sorrir. Não a fizeram. Haviam muitos deles pelo quarto. Ele não se contentou com uma flor. Ela merecia mais. Muitos e muitos e muitos. A menina nunca tinha ganhado girassóis, nem flor alguma. Era importante aquele monte de flores com cheiro bom. Deveria ser.

Não eram só os girassóis que eram pra ela. Ele fez uma música. Uma letra linda que falava de anjo, beleza e sorriso. Era pra ela. E o violão estava ali do lado da cadeira para fazê-la lembrar da voz mansa dele cantando. A menina se deleitou com sua canção. Primeira canção feita somente pra ela. Nunca quis uma música, mas não pode esconder tamanha surpresa deleitante em ganhar uma. Tinha esquecido a letra.

Ele a puxou pra perto oferecendo pro choro estouvado, o ombro. Ela recusou. E olhou pra baixo para não ter que ver os olhos que perscrutam. Qual era o erro daquela noite? A menina ainda podia escutar o "Eu te amo" dele ecoando pelas paredes e pela fragilidade do seus ossos. Foi um lindo eu-te-amo acompanhado de um monte de palavra goethiana que, por si só, a encantariam. O encanto não se perdeu. O encanto simplesmente não apareceu.

E tudo que ela sempre quis eram flores, declarações de amor e um beijo doce. E havia ali, mais do que ela sempre quis. Qual era, então, o motivo do choro da menina na noite sem estrelas? Na noite feita para que ela brilhasse? A menina, fosca, sabia bem que a noite não era sua. E que o perfume dos girassóis também não vinha dela. A menina queria que ele entendesse que o problema é que o amor não era dele. Eram olhos de quem esperava amor, muito amor, os dele. Mas ela não tinha.

Todo seu amor, por mais que ela guardasse e escondesse, era de quem se foi. E foi. E não volta.

Não disse nada a menina. Seu pranto já era sua perdição.



"chegou-se a discutir qual a metade mais bela. nenhuma das duas era totalmente bela. carecia optar. cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." [ carlos drummond de andrade ]

3 comentários

  1. amei o texto. =]

  2. Anônimo Says:

    "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
    Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis..."

  3. Mariana Says:

    Terrível. E a gente geralmente descobre que alguém possui algo que é nosso, quando esse alguém já não tá mais perto.
    E então a gente tenta achar em todos os lugares, o que fatalmente já não tá mais lá.

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