Música ao longe

segunda-feira, 22 de junho de 2009 às 00:05
- Olha, eu não sou dessas que acredita em analista, sabe. Muito menos que acha confortável e catártico um divã. Também não sou dessas que não tem amigos e procura alguém como você para contar coisas que ninguém quer ouvir. Sei que estou te pagando pra me ouvir. Mas não acredito em você, ok?
- Em mim ou em psicanálise?
- Em ciência. Essa coisa de objetividade é absurda. Você não acha?
- Eu?
- Ah, esqueci! Vocês analistas nunca respondem nada. Eu li uma vez algo que dizia que análise serve pra gente encontrar nossas próprias respostas, e por isso vocês só induzem, nunca respondem. Que besteira!
- Você veio aqui em busca de uma resposta?
- Você até que é um analista que conversa...
- E você é como toda boa paciente que desvia das perguntas.
- Gostei de você. Muito astuto! Então já que você é daqueles que falam e esses 45 minutos estão sendo pagos (eu jurava que eram 50! deve ser coisa de filme...), me responde uma coisa: você largaria tudo que você tem hoje, família, esse consultório modesto, seus amigos, tudo... por uma coisa que você deseja muito, mas está longe?
- Isso tudo que eu tenho é o que eu desejo. O que você tem não é o que você deseja?
- É... é o que eu desejo. Na verdade, eu desejo outra coisa também.
- Coisa?
- Pessoa.
- Que pessoa?
- Isso já não lhe compete.
- Eu sou seu analista.
- Ainda assim não lhe compete.
- E você deseja essa pessoa mais que essa vida que você tem?
- Não tenho muita coisa na vida... Mas o que tenho, ainda assim, é meu. E, de certa forma, largar o que se tem, o que se conquistou, por mais que seja pouco, é muito assustador. Não é assustador?
- Por que é assustador?
- Aí, você já tá sendo um analista de novo! É ou não é assustador?
- Não sei o que você tem.
- Eu tenho o que todo mundo tem. O que você deve ter. O que ele também tem...
- Ele, a pessoa?
- É, ele. Mas o que eu tenho eu quero ter com ele. Mas não sei se quero o que ele tem pra mim.
- Mas você sabe se quer ele?
- Sim, sim. Sem dúvidas. Quero ele. Quero muito. Quero pra caralho, pra dar bastante ênfase.
- Mas ele está longe... E isso exige que você largue tudo - que é pouco - por ele?
- É. Largar tudo, sabe. Essa faculdade sem futuro, meus amigos bêbados e promíscuos, meu lar conturbado. Tudo. Me jogar no mundo. Isso é loucura?
- É!
- É??
- Sim, é.
- Cara, você é um analista. Como você responde "É!"?
- Mas é uma loucura.
- Você não acha certo?
- Não, não acho certo. Largar uma vida que você levou anos... quantos anos você tem?
- 20.
- ... 20 anos pra construir. Uma vida! É uma vida! É uma história! E histórias começadas do zero aos 20 anos não costumam dar certo. Sejamos realistas... A vida não é um filme. Viajar e deixar tudo pra trás por alguém é... no mínimo... insano.
- Insano... Nossa, você tem toda razão!
- Além do mais, nem tudo dura pra sempre!
- Isso é coisa da ciência, que só acredita em números.
- Os números mostram que muitas uniões não dão certo.
- Não me importa os números. Eu ainda assim acredito nas escolhas. Às cegas. Mas é loucura. É insano. Eu sei. Eu sei.
- A não ser...
- A não ser o que?
- Que você esteja apaixonada por ele.
- Como assim?
- O amor nos permite fazer qualquer loucura.
- Mas... mas... que tipo de analista é você? Que mais confunde que esclarece!
- As melhores escolhas são feitas depois da dúvida.
- É assustador, não é?
- Amar?
- Não. Amar não. Escolher amando.
- Assustador...

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