Última lua

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 às 22:07
A maior das brigas. A mais furiosa, suada, gritada, senil. Estavam os dois roucos, cansados, raivosos. Completamente vencidos. Ela ainda tinha muitas palavras cuspidas para jogar-lhe na cara. Ele ainda tinha ironias à tiro de bala para ofertá-la. Mas estavam vencidos. E não adiantava mais. Nada mais adiantava ou importava. Eram os últimos minutos. Sabiam. Ficaram nervosos com a repentina calma aparente. Que silêncio era aquele depois da catarse vomitada? Ela tentou procurar sua bolsa. Ia embora. Sim, ia embora. Pra sempre. E sairia dali direto para um bar abusar da tequila para maldizê-lo a um estranho qualquer. Ele procurava uma parede, uma mesa, alguma coisa bem dura para socar. Havia uma força contida nele louca e desesperada para ser posta pra fora. Fechava aos mãos. Com força. E procurava um alvo. Um alívio.

- Então é isso? - disse ela, enquanto andava pela casa em busca da bolsa.
- É, é isso. - disse ele, enconstando numa mesa, desistindo de qualquer tentativa.
- Onde tá minha bolsa? Quer saber? Já estava na hora mesmo! Você é de Libra eu sou de Escorpião. A gente nunca ia dar certo mesmo.
- Demos certo por três anos.
- Nunca demos certo. Somos dois errantes orgulhosos demais para se dar por vencidos.
- Estamos vencidos. Os dois perderam.
- Os dois venceram. Estamos os dois livres.
- Essa liberdade que você tanto foge?
- Não pense que sabe alguma coisa de mim! Você não sabe do que fujo! Você não sabe nada!

O tom de voz dela agressivo fez com que ele dessa vez socasse firme a mesa. Não aguentou. Não estava aguentando. O barulho da madeira a fez ficar mais impaciente pelo sumiço da maldita bolsa. Queria chorar. O vazio daquela relação que era tão completa, já estava invandindo ela de uma maneira inovadora. Ele olhou pros pés e pensou que sentiria falta das poesias que ela escrevia todo dia e colocava debaixo do travesseiro dele. Ela olhou pro teto, segurando lágrimas e pensou que já estava morrendo de saudade da massagem que ele fazia no seu pé antes de deitar.

- Vou embora! Depois você me manda essa bolsa. Por alguém.
- Me desculpe pelas palavras duras. Você não é prepotente.
- Me perdoe também. Você não é de maneira nenhuma obsessivo.
- Acha mesmo que eu não sou confiável?
- De modo algum! Você é uma das pessoas mais amigas que eu conheço. E sincera! E eu, sou mesmo assim tão desdenhosa?
- Quê isso! Nunca vi ninguém mais preocupada que você!
- Bom, então seja feliz. E não esqueça de pôr agora o relógio pra despertar. Pra não perder a hora.
- Seja feliz. E você não esquece de tomar o remédio do coração! Eu não vou mais te lembrar.

Ela deu um passo. Estava indo embora. Ela esperava que ele a impedisse. Ele esperava um arrependimento.

- Ei. - disse ele, fazendo ela se voltar, pronto a acabar com o seu orgulho.
- Oi? - disse ela, com uma esperança forte surgindo de repente.
- Você não veio de bolsa hoje.
- Ah...
- Adeus.
- Adeus.

E ela se foi. E o barulho da porta foi tão alto que fez o silêncio se tornar absurdamente pesado. Para os dois.

"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo." [ clarice lispector ]

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