quando criança, bem pequena, sem muita noção das coisas à minha volta, recebi um presente. era um chocolate que minha mãe comprou na volta do trabalho. era em forma de moeda de um real. ela desembrulhou o invólucro de moeda e me deu. era delicioso. pequenininho, mas muito saboroso. a partir daí, numa analogia infantil, passei a tentar descascar toda moeda de um real. qualquer moeda que meu pai deixava em cima da mesa, eu ia lá e mexia para ver se alguma era chocolate. depois de muitas tentativas vãs e de alguma experiência em tempo, percebi que dinheiro não era chocolate. que aquele, inexplicavelmente era, mas nenhum mais seria. já grande, dias atrás, passei numa farmácia para escolher tinta de cabelo com minha mãe. e vi, num potezinho ao lado do caixa, as famosas moedas de um real de chocolate da minha infância. ri com muita vontade ao lembrar de toda minha inocência e de todas as tentativas que fiz para descobrir mais e mais chocolates. me dei conta que eu, como adulta, ou criança mais crescida nunca associei aquele chocolate como uma não-moeda, só naquele dia em que vi no potinho. para mim, aquela era uma moeda excepcional, que incidentemente veio com um chocolate, como um descuido.
e hoje, hoje mesmo, nesse exato instante me dei conta de que você não é uma moeda excepcional onde eu sorvi o mais gostoso chocolate. sim, você me deu os sabores mais ávidos, os prazeres mais primários, as lembranças mais pungentes, mas não será o único. assim como acreditei a vida inteira na sua singularidade. não há singularidade nenhuma no que você me deu, no que você deixou de dar. e você é uma moeda de um real, como qualquer uma, e não adianta eu fugir disso. não posso te fazer mais chocolate no meio desse mundo que é só moeda. e nem vou.
foi hoje. assim. do nada. hoje que vi. que percebi. que entendi. minha busca é pelo chocolate nos invólucros mais comuns. meu caminho é descascar.
“Como é que eu podia saber que aquelas rosas eram carnívoras?” [ C. F. Abreu ]
LINDA!
é meu preferido!