É a vida, mais que a morte, a que não tem limites

terça-feira, 7 de abril de 2009 às 19:28
A menina sempre ía ao teatro sozinha. Não tinha amigos na cidade nova. E os que tinha, preferiam um bar, um cinema, ou um motel. Ela não. Ela preferia o teatro. E estar sozinha, ali, naquele banco desconfortável, olhando para o pano vinho que escondia algo de muito bonito, era feérico demais para ela. Se arrepiava. Sempre.

A peça era sobre uma história de amor. Havia tempo que não se passavam peças falando de amor nessa cidade tão grande que ela invandia. Pensava que o romantismo estava fora de moda não só na vida, como também na arte. Sentiu um júbilo imenso. Como era lindo cada gesto apaixonado daqueles personagens! Ele lutando por ela. Ela lutando pela vida. Os dois com medo. Os dois se entregando. Os dois em um só.

As cortinas fecharam. Ela escondeu o choro. Mas viu que era desnecessário, já que não haviam muitas pessoas por perto. É, era verdade, as pessoas não gostam mais de histórias de amor. A menina se perguntava por quê. E chegou a conclusão particular de que o amor estava distante demais para se tornar realidade. Apesar de todos procurarem a arte como fuga da realidade, no fundo procuramos mais pela identificação por algo que não seja só nosso. E o amor já não era mais universal. Era para os poucos. Eram para os que se encontravam.

E a menina resolveu, numa idéia lancinante, que iria viver a história do teatro. Era uma idéia maluca, ela mesmo admitia. Viver uma história já contada, já escrita, já vivida, já interpretada? Ela estava cansada de sua própria história. Essa história sem platéia, sem leitores, sem cores. Aquela história, sim, era dela. Não mais dos outros. E viveria. "Vou viver.", pensou categórica.

A menina nunca mais foi ao teatro. O teatro era sua própria vida. Nunca conseguiu viver a peça que queria. Mas amou. Amou tantos e muitos. Com ardor e zelo. Ah, essa menina e sua busca pela história de amor! Esquecendo da sua história de vida, doou-se tanto que viveu para os outros, para as peças alheias. Procurou tanto a arte no que vivia. Não achou o amor a menina. Não achou o seu final feliz. Mas sua vida era aplaudida de pé. Por ser a história que todo mundo vive. A história da busca.


"Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. Carecia optar. Cada um optou, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia." [ Carlos Drummond de Andrade ]

2 comentários

  1. Se em outros dias nos encontrassemos no tablado iluminado da vida, sem caprichos do ego, sem a iusão da perfeição ou a cegueira que impede as cores dos sorrisos mais bonitos chegarem no coração, nesses dias então, seriam sublimes os segundos?
    Não é a pedra mais alta a mais difícil de subir?

    ... de mais, só que estou a cada segundo cortando os dedos na escalada, sem o ar, raro a essa altura, no meio de uma cerração sólida, mas estou subindo. será a vista lá em cima a mais bonita que encontrei na vida?

  2. Qual foi a peça?

Postar um comentário

Devir | Powered by Blogger | Entries (RSS) | Comments (RSS) | Designed by MB Web Design | XML Coded By Cahayabiru.com Distribuído por Templates